História do "Lapa Azul"

Monte Castello

Vivendo um Pesadelo

Na noite gelada do dia 12 de dezembro de 1944, o General João Batista Mascarenhas de Moraes, Comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), é chamado ao QG do IV Corpo de Exército Aliado em Taviano, ao sul de Porreta Terme. Segue acompanhado pelos generais Euclydes Zenóbio da Costa e Oswaldo Cordeiro de Faria. Horas antes, os brasileiros haviam sido repelidas pelos alemães, pela terceira vez, em Monte Castello, quando cerca de 140 pracinhas foram mortos ou feridos pelo inimigo.

Fig 1. Gen Mascarenhas de Moraes e o comando aliado: situação difícil após os reveses no Monte Castello. O capitão Vernon Walters serve como intérprete, à esquerda da foto

Os brasileiros são recebidos com frieza no interior da barraca de comando. De estatura baixa, o general brasileiro parece estar ainda menor ante seus inquisidores. Indo direto ao assunto, o General Willis D. Crittenberger pergunta ao Gen Mascarenhas, por meio de um intérprete:

—  Quais os motivos do novo fracasso? 

Mascarenhas responde:

—  Tempo ruim, insuficiência de  tempo para a colocação da tropa na base de partida, reação imprevista dos alemães, cujos meios eram superiores aos previstos e missão talvez inadequada.

Não satisfeito, o comandante americano procura rebater cada uma das explicações. Vira-se e faz uma pergunta capciosa:

—  Desejo uma resposta peremptória e positiva do comando brasileiro. A FEB tem ou não capacidade de combate?

A pergunta do seu superior corta o general brasileiro como se fosse uma lâmina afiada. “A pergunta foi cruel e decisiva para a sorte da Divisão”, afirmou Mascarenhas de Moraes, em um dos relatórios secretos sobre a guerra. Segundo o brasilianista John Foster Dulles: “as críticas chegaram a tal ponto de alguns oficiais americanos pedirem a retirada das tropas brasileiras da frente”.

O Ten Cel Manoel Thomaz Castello Branco narrou o drama pessoal vivido pelo seu Cmt:“Sabemos o quanto foi doloroso para ele (Mascarenhas de Morais) ordenar que o ataque (ao Monte Castello) se repetisse pela terceira vez, porém, mais torturante foi o drama vivido pelo Cmt da FEB que asssitiu, sucessivas vezes, a sua tropa debater-se, sem êxito, contra um inimigo bem instalado, embora tivesse para atenuar os sofrimentos o testemunho do magnífico comportamento dos homens”.

Fig. 2 Mascarenhas, Crittenberguer e Zenóbio: crise após 12 de dezembro de 1944

Os brasileiros estavam em situação delicada. A FEB  estava a um passo de uma retirada desonrosa da frente de combate, num evento que ficaria gravado eternamente em nossa história militar: uma mácula indelével na memória do Exército Brasileiro.

Mascarenhas faz menção de responder, mas Zenóbio da Costa — astuto e ciente da importância daquele momento crítico — o convence a responder por escrito, dada a complexidade que a resposta exigia (tal resposta precisava ficar registrada, por escrito, para a posteridade). O Gen Crittenberger aquiece, mas com uma ressalva pouco amigável:

— Muito bem, mas até amanhã às seis horas.

Em suas memórias, Mascarenhas de Moraes conta que, após deixar a reunião — humilhado e envergonhado — questionou a sua própria capacidade pessoal, cogitando seriamente renunciar ao comando. No posto General-de-Divisão — o maior à época no Brasil — Mascarenhas fizera 61 anos de idade no mês anterior: seis anos a mais do que o Gen Crittenberger. Rumores sobre a sua destituição chegavam do Brasil. Seus oficiais do Estado-Maior divergiam e discutiam com aspereza entre si. A pressão sobre o Comandante da FEB era quase insuportável. Mascarenhas sabia que a missão dada pelo comando aliado excedia a capacidade de sua tropa; porém, sobre os seus ombros recaía toda a responsabilidade pelos fracassos.

As análises sobre os combates em Monte Castello

Desde então, os combates de Monte Castello vêm sendo analisados por diferentes pessoas, testemunhas oculares ou não. A Revista de História da Biblioteca Nacional, na edição de julho de 2011, publicou um belo artigo (link para o artigo) do professor Luís Felipe da Silva Neves sobre os combates do Monte Castello, mas que infelizmente esbarra no lugar-comum do tema, elegendo como causa dos fracassos da FEB  a  “insistência no ataque frontal por parte do comando brasileiro”: verbo e objeto corretos. Sujeito equivocado.

Fig. 3 Barreira natural que se estende do Mt. Belvedere ao Mt. Castello
Fig. 4 Generais Mark Clark, Mascarenhas de Morais e Zenóbio da Costa, entre outros, em visita ao Ninho da Águia, residência de Adolf Hitler na Baviera, capturada em 1945

Outros pesquisadores questionam o porquê do Comando brasileiro não ter se oposto à estratégia Aliada para a conquista do Monte Castello, num evidente desconhecimento do modus operandi no meio militar. Durante as ações de combate, há pouco espaço para objeções às ordens superiores, sejam elas razoáveis ou não. Do soldado ao general, cabe ao subordinado obedecer.  No máximo, um comandante pode sugerir alterações em um plano, desde que mantenha os seus objetivos iniciais. Assim, no front italiano, o Cmt do V Exército definia a missão e distribuía as zonas de ação dos Corpos de Exército. O IV Corpo de Exército, por sua vez, fazia o mesmo, dividindo a sua zona de ação pelas suas unidades, inclusive a FEB. E assim por diante, até o nível Batalhão.

Fig.5 O Gen Crittenberger e o Gen Mascarenhas cumprimentam pracinhas brasileiros por atos de bravura

A missão recebida pelo comando brasileiro, para o ataque de 29 de novembro de 1944,  foi a seguinte:

Dentro da sua zona de ação, conquistar a crista que corre de M. Belvedere para NE, inclusive M. Castello, a fim de impedir que o inimigo tenha vistas sobre a estrada 64.”

Instruções de Operações nº 71, de 26 de Nov de 1944, do Cmt do 4º Corpo de Exército. O Brasil na II Grande Guerra – Ten Cel  Manoel Thomaz Castello Branco

Fig. 6 Esboço do segundo ataque brasileiro: a cidade de Gaggio Montano está no limite esquerdo da zona de ação atribuída aos brasileiros

Saiba mais sobre o último conflito mundial lendo os nossos livros:

Observando o esboço acima, não é difícil constatar que o Monte Castello era o objetivo principal a ser conquistado. O único tipo de ataque possível aos brasileiros, em sua área de operações, era justamente o frontal.  Da cidade de Gaggio Montano para oeste, a área de operações pertencia à TF 45 (Task Force 45).

Contudo, se perguntarmos aos historiadores acostumados a crucificar o Comando brasileiro com relação à estratégia que deveria ter sido adotada, muitos certamente encherão o peito e dirão:

— Ora bolas, a mesma operação realizada no ataque vitorioso, em 21 de fevereiro de 1945 !

Esse tipo de operação era quase  impossível de ser conduzida pela FEB. A 10ª Divisão de Montanha norte-americana — a tropa que rompeu a linha defensiva alemã com seus alpinistas — só chegou à região de operações no final de janeiro de 1945. Até então, no flanco esquerdo da FEB estava a Task Force 45, anteriormente chamada 45 AAA (Antiaircraft Artillery) Brigade : uma verdadeira colcha de retalhos composta, em boa parte, por tropas de segunda linha, que incluía soldados da artilharia antiaérea (improvisados como infantes). Vide http://www.milhist.net/mto/taskforce45.html

O início da ruptura da linha de defesa alemã, em 19 de fevereiro de 1945, deveu-se inicialmente à ação da 1ª/86th, que escalou com cordas, à noite, as escarpas do Riva Ridge, apanhando de surpresa os seus defensores. Graças a ela, o ataque vitorioso ao Monte Castello pôde então ser empreendido pelo flanco, pois os demais elementos da 10ª Div Mtn haviam conquistado as alturas do Monte Belvedere, Gorgolesco e vizinhanças.

Antes da chegada da 10ª Divisão de Montanha americana, não existia a possibilidade de outro tipo de ataque, se não o frontal, naquela região de operações — fosse ele  no setor da FEB ou no da Task Force 45.

http://www.summitdaily.com/article/20110128/NEWS/110129834

http://www.wildnesswithin.com/insights.html

Fig. 7 Militares da 10ª Div Mtn: preparados e equipados para o combate em ambiente de montanha
Fig. 8 Soldados da 10ª Div Mth durante o treinamento em Camp Haley, Colorado
Fig. 9 Operação Encore: graças a ação da 1ª/86th a FEB pôde atacar o Monte Castello pelo flanco

Risco Calculado

Como bem disse o Ten Cel Manoel Thomaz Castello Branco em sua obra “O Brasil na II Grande Guerra” (Pg. 270):

“Falhas e vacilações há e haverá sempre em todos os combates, embora já houvesse quem, alhures, falasse em combate perfeito. O que na realidade ocorre com estas operações, das quais só se ouvem loas, é que estão catalogadas como vitórias e os erros, que contém, escondem-se por trás dos pedestais da glória.”

A Segunda Guerra Mundial foi pródiga em operações desastrosas, de ambos os lados, como o desembarque frustrado em Dieppe e a operação Market Garden. Mesmo o bem-sucedido desembarque Aliado em Anzio, por muito pouco não termina em tragédia.

Toda operação militar implica em riscos, maiores ou menores. Uma operação classificada como “desastrosa” não implica, necessariamente, em mau planejamento ou má execução. Afinal de contas, o inimigo não é obrigado a seguir o contido nos planos de ataque, tal qual um ator coadjuvante numa peça teatral.

O  próprio General Mark Clark, Cmt do V Exército (ao qual o IV Corpo de Exército era subordinado), declarou em sua obra “Risco Calculado” que o V Exército muitas vezes entrou em combate com menos de 50% de chance de êxito (Pg. 4).

Fig. 10 Risco Calculado: segundo o Gen Mark Clark, o V Exército entrou em combate, muitas vezes, com menos de 50% de chances de êxito

As “Falhas” 

No caso específico do Monte Castello, muitas “falhas” são apontadas: uma parcela considerável delas de forma erronêa, por pura falta de conhecimento de estratégia militar ou mesmo pelo comodismo na repetição de depoimentos antigos. As mais comuns são as seguintes:

1. O  ataque brasileiro, em 29 de novembro de 1944, foi feito de forma precipitada

Meia-verdade. Em combate, precipitação e ousadia possuem limites difusos. Além do que, raramente se concebe um plano onde tudo possa ser minuciosamente planejado com tempo suficiente. Os chamados “ataques de oportunidade” revelam-se mais eficazes do que aqueles que dão tempo ao inimigo para reforçar suas defesas. O brilhante General George S. Patton dizia: “Um bom plano hoje é melhor que um plano perfeito amanhã“.

Olhando sob o ponto de vista do Comando aliado, se em 24-25 de novembro de 1944 as tropas de segunda linha da Task Force 45 conseguiram dominar as alturas do Monte Belvedere, sem grande dificuldade, por que não haveria dos brasileiros conquistarem o modesto Monte Castello? A urgência do ataque brasileiro era justificada, pois a Task Force 45 estava isolada no alto do Monte Belvedere.

Considerando que os brasileiros foram obrigados a empreender uma marcha penosa, sob chuva, durante a madrugada, chegando às bases de partida apenas duas horas antes do ataque, sem um tempo mínimo para reconhecerem o terreno que atacariam, alguém poderia retrucar, com certa razão:“Não seria mais prudente que o comando aliado esperasse os brasileiros se prepararem adequadamente, para só então atacar o Monte Belvedere?”

Infelizmente não havia tempo para isso. O Comando aliado estava determinado a alcançar o Vale do Pó antes da chegada do inverno (“Natal em Bolonha” era o lema), evitando que suas tropas  ficassem entrincheiradas na lama e na neve, sendo alvejadas por tiros de artilharia por meses seguidos (o que acabou acontecendo). Além do que, era mister aproveitar a surpresa e o êxito alcançado pela ação da Task Force 45.

Houve um incidente chave que determinou o fracasso da operação do dia 29:  o contra-ataque alemão que expulsou os norte-americanos do Monte Belvedere, horas antes do ataque brasileiro. Assim,  os homens do Regimento Sampaio receberam um fogo mortífero de armas automáticas e fuzis pelo  flanco esquerdo exposto, causando pesadas baixas e obrigando-os a retroceder.  Já o III Batalhão do 11º RI: O “Lapa Azul”, que atacava pelo lado leste do Monte Castello, chegou muito próximo aos seus objetivos, mas teve de retrair, face o recuo do regimento carioca.

Tais informações estão contidas nos documentos oficiais da FEB e na biografia dos seus comandantes. A elas se juntam queixas na dotação de munição de artilharia e de armas pesadas. Alguns críticos poderiam alegar vício de origem e auto-defesa nessas alegações. Vejamos, então, o que escreveu o norte-americano John Holt Willians, em seu artig “The Blooding of FEB” , publicado na revista Army, em julho de 1986.

“O Gen Mascarenhas tentou de novo no dia 29 e, apesar de seus homens terem se desincubido com coragem quase suicida, as posições alemãs resistiram. Em parte, os insucessos da FEB foram devidos à relativa falta de armas pesadas. A FEB não tinha dotação completa de metralhadoras e havia uma falta aguda de munição de artilharia 105 e 155 e absolutamente nenhum apoio blindado.”

2. Foi um erro realizar o ataque de 12 de dezembro de 1944 de surpresa, sem apoio de artilharia e aviação

Os ataques de surpresa, sem apoio de artilharia e aviação, são quase tão comuns quanto os “normais”. Foi justamente o ataque de surpresa, efetuado pela 1ª/86th, que deu início à queda da linha de defesa germânica. Além disso, as condições meteorológicas daquela região, no dia do ataque (definido pelo comando aliado), impediam a condução dos fogos de artilharia e apoio da aviação, face a espessa névoa que cobre o Monte Castello nesta época do ano, especialmente no começo do dia.

Os vídeos a seguir, gravados por volta das 10:00 horas, com o auxílio do Sr. Mario Pereira, Guardião do Monumento Votivo em Pistóia, ilustram bem o que foi dito, pois mal se consegue observar  o sopé de uma das franjas do Monte Castello. (Foi preciso utilizar na lente da camera um filtro polarizador circular, pois a brancura da neve também limita a visão à distância).

O local destas gravações pode ser acessado, no Google Maps, neste link.

Infelizmente, em 12 de dezembro o sigilo da operação foi quebrado com a realização de fogos sobre o Monte Belverede, por parte da Artilharia da Task Force45. Além do que, houve problemas de comunicação e coordenação durante a execução do ataque.Veja o depoimento do veterano Natalino Cândido, do Regimento Sampaio, sobre o ataque de 12 de dezembro ao Monte Castello:

Os Motivos Reais do Fracassos

Nossa cultura latina, de forte componente emocional, possui a tendência de polarizar os eventos históricos, classificando-os como tragédias ou glórias. Trata-se de algo que não ajuda em nada para o exame ponderado dos fatos e do seu real significado. Frequentemente desconsidera-se o contexto histórico desses eventos para fazer valer uma visão ideologizada, melancólica ou anti-militarista.

No dia em que a resposta do Cmt da FEB foi entregue, por exemplo, o avanço aliado foi inteiramente bloqueado na direção de Bolonha e uma divisão americana teve baixas terriveis. Em 26 de dezembro, os alemães contra-atacaram na região de Viarregio e Camaiore, fazendo os americanos da 92ª Div “Buffalo” recuarem 5 Km, ameaçando os portos aliados no mediterrâneo e quase cortando os suprimentos de todo o IV Corpo de Exército. Perto desses episódios, o fracasso brasileiro foi secundário. Quando muito.

Hoje os fatos apresentam-se com muita clareza. Entretanto, é justo reconhecer que, na época, eles não tinham colorido definido, tornando as decisões difíceis e discutíveis. É preciso ter isso em mente.

Os fracassos — tanto dos norte americanos quanto dos brasileiros — nos ataques iniciais ao maciço Belvedere-Castello tiveram causas variadas, independentes e específicas para cada uma das tentativas, tanto no planejamento quanto na execução.

É razoável culpar a escolha pelo ataque frontal apenas na operação desencadeada em 12 de dezembro de 1944, quando os nazistas já haviam reforçado as suas defesa na área e, sobretudo, sabidamente dominavam as elevações vizinhas.

No capítulo “Um desejo que se não realizou”, do  livro “Crônicas de Guerra”, o Tenente-Coronel Uzeda, Comandante do 1º Batalhão do 1º RI, conta que mandou realizar um reconhecimento na região de Gaggio Montano, verificando a grande vantagem de um ataque de flanco a Monte Castello, mandando reconhecimentos nesse sentido e propondo essa manobra ao Alto-Comando (pág. 41):

“E por que dias depois executamos o 3º ataque frontal do 4º Corpo de Exército ao Monte Castello? Por ordem! Entretanto, ponderamos antes a nossa preferência pelo ataque de flanco, e confessamos nosso ponto de vista quanto aos inconvenientes gravíssimos que apresentava o ataque de frente ao Monte Castello”. 

O ser humano mediano possui a tendência de encontrar respostas simplificadas para questões complexas. Embora tais simplificações facilitem o entendimento popular, no caso do Monte Castello respostas simples conduzem a interpretações e generalizações errôneas. O General Mascarenhas fez o melhor que podia com os meios que dispunha, dentro da exagerada porção da frente de combate que foi atribuída à FEB. Os brasileiros foram encarregados de atacar e defender numa extensão de 15 Km, impedindo com isso a concentração de meios para um ataque decisivo. Para se ter uma idéia, a poderosa 10ª Div Mth americana efetuou o ataque vitorioso com a totalidade dos seus três regimentos, em fevereiro de 1945, numa frente com cerca de 5 Km, menos de 1/3 da brasileira, que na defensiva de inverno estendeu-se para 18 Km.

Fig. 11 Operação Encore: a 10ª Div Mth atua concentrada numa frente com menos de 1/3 da frente brasileira.

Eliminando as razões expostas pelo General Mascarenhas de Morais em suas memórias, outros  motivos dos insucessos brasileiros são raramente abordados. Entre eles está a pouca qualificação dos brasileiros em atividades de elevado nível técnico, como a interpretação de fotos aéreas, fundamentais para a localização das defesas inimigas, confecção de cartas topográficas, de situação e caixões de areia.

A primeira escola de formação de especialistas militares: o Centro de Instrução Especializada (CIE), foi criado às pressas, por decreto presidencial, em 30 de junho de 1943, totalmente dependente do auxílio de instrutores norte-americanos. O Curso de foto-informação do Exército Brasileiro só viria a funcionar, efetivamente, após a II GM, na Escola de Instrução Especializada (EsIE), no Rio de Janeiro.

Curiosamente, uma das melhores fontes de estudo sobre as razões dos insucessos nos ataques ao maciço Belvedere-Monte Castello, está justamente nas razões apontadas para o sucesso do ataque final, iniciado na operação Riva Ridge e descritas pelo Tenente Coronel Henry J. Hampton, Comandante do I Batalhão do 86th (Download do documento original aqui).

 THE RIVA RIDGE OPERATION

REPORT OF LT. COL. HENRY J. HAMPTON

Razões para o Sucesso

1. 70% do pessoal foi treinado nas Montanhas Rochosas. Eles não tinha medo de despenhadeiros, precipícios e terreno difícil.

2. Reconhecimento prévio e completo das rotas de abordagem pelos oficiais e homens que conheciam a montanha, com a preparação de ordens detalhadas, caixões de areia e fotos aéreas para a completa orientação de cada homem.

4. Reconhecimento aéreo, feito pelos comandantes, no terreno que não podia ser observado na superfície.

5. Possibilidade de prática num terreno próximo, compatível com o terreno onde a operação foi executada.

6.  Ação noturna tanto na abordagem quanto no ataque.

7. Condição física e disposição, que eram os principais obstáculos a serem ultrapassados.

8. Moral alto  e Espírito de Corpo dos homens, que sabiam que o combate em montanha era a sua especialidade e quando lhes é dado um objetivo, darão o máximo de si para superá-lo, para justificar o seu treinamento especializado.

Diga-se de passagem: boa parte das razões para o sucesso da tropa norte-americana não estavam presentes no treinamento da tropa brasileira. Mesmo assim, o Ten Cel Castello Branco minimizou as deficiências da tropa ante a impossibilidade da missão imposta: “Quanto às falhas dominantes observadas na montagem e na execução dos ataques, queremos apenas sintetizar dizendo, que resultaram mais das condições dominantes do que das imperfeições da própria tropa.”

O Comandante da FEB decide continuar

Retornando da reunião, no QG do IV Corpo de Exército, o Gen Mascarenhas de Moraes foi demovido da idéia de renúncia ao cargo pelo Gen Cordeiro de Farias, respondendo então aos questionamentos do Gen Crittenberger:

” A FEB guarnece uma frente de 20 Km e teve ordem de atacar num setor de 2 Km dessa frente; não tinha meios para vencer o inimigo nesse setor e continuar a guarnecer 18 Km; o comando brasileiro achava que a FEB poderia manifestar capaciddae de combate quando recebesse uma missão adequada aos meios, não só quanto a profundidade do ataque, mas quanto à sua largura; mas enquanto recebesse missões como aquela do dia 12, só poderia mostrar não uma incapacidade, mas uma impossibilidade de combater. Acrescentou o comando brasileiro que nem a melhor Divisão americana, no T.O. do Mediterrâneo, do Pacífico ou da Europa, entrou em linha sem ter preenchido por completo o ciclo de sua instrução, isto é, um ano de instrução nos Estados Unidos, três meses no T.O. e um mês de ambientação na linha de frente. A instrução da FEB tinha sido incompleta no Brasil por culpa do Governo, na Itália por culpa do comando aliado. Por fim, como último argumento, dizia que não cabia ao comando brasileiro julgar a si próprio. O comando americano, que o tinha diretamente sob suas ordens, é que poderia atestar se tinha ou não capacidade de combate”

(trecho do livro: A FEB por um Soldado)

Seus argumentos foram aceitos e, porque não dizer,  empregados pela 10ª Div Mth americana na ação vitoriosa de fevereiro de 1945. Após o episódio de Monte Castello, a FEB passou a ser empregada de forma adequada, portando-se de forma admirável pelo restante da campanha.

Muita embora esse episódio pessoal dramático possa sucitar uma animosidade ocorrida entre brasileiros e norte-americanos, tal impressão é falsa. O tratamento entre militares, principalmente em tempo de guerra, costuma  ser duro, ríspido, direto. Quando vidas humanas estão em jogo, não há espaço para meias palavras. Por outro lado, esse tratamento  também é igualmente leal e honesto.

Prova disso são as memórias escritas pelos envolvidos. Nelas evidencia-se o respeito e a admiração mútua entre Mascarenhas de Moraes, Crittenberger e Mark Clark.

Os combates de Monte Castello foram muito pouco abordados pela historiografia nacional, em especial nos últimos 30 anos. Há muito ainda a ser descoberto, pesquisado e debatido. Novas idéias e interpretações podem (e devem) germinar, livres de idéias pré-concebidas e amparadas num estudo sério e meticuloso.

Fig.12 Mascarenhas de Moraes: o Cmt da FEB viveu momentos dífíceis de decisão, mas nunca lhe faltou inspiração nem coragem de assumir a responsabilidade plena pelos seus atos

A atitude do Gen Mascarenhas de Moraes deve ser objeto de meditação. Como bem escreveu Joaquim Xavier da Silveira em ” A FEB por um Soldado”: “O Comandante da FEB permaneceu à testa da Divisão, e os fatos subsequentes demonstraram o acerto da decisão. O episódio não precisava vir à público, no entanto, em suas memórias, o já Marechal Mascarenhas de Moraes resolveu relatá-lo. Por certo o Comandante da FEB desejou que ele servisse de ensinamento, para demonstrar que um chefe militar tem de examinar a questão da liderança. “

13 respostas »

  1. Lendo essa matéria fiquei muito emocionado porque meu saudoso pai, EDMUNDO RODRIGUES FIDALGO, era integrante da 7ª cia do III Batalhão do 11º R.I. de São João Del Rei, 1º remuniciador de Metralhadora ponto trinta.
    Edson José Rodrigues Fidalgo.

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  2. Agora ficou esclarecido, depois de ler o link, trata-se do 1º batalhão da 86a brigada da 10ª de Montanha que atuou em Riva Ridge… eu so quem pede desculpas!

    Abrcs!

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  3. Uma pequena observação: não seria a 1 cia da 85a Div americana? Era a famosa Custer Division, ja que a 86a nao viu ação no MTO… Excelente texto, ótima abordagem! Muito elucidativo. Parabens!

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    • Prezado
      Grato pelo comentário. Você tem razão. Mas acredito que a operação Encore só foi viabilizada após o sucesso da Operação Riva Ridge, protagonizada pelo o I Batalhão do 86th, comandado pelo Tenente Coronel Henry J. Hampton.
      Depois ele escreveu um relatório sobre a ação da sua unidade. Postei um link para download deste relatório no post.
      Forte abraço!

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  4. Existe sem dúvida um grande engano em relação à tal “insistência nos ataques frontais”. Não sei se você se lembra, mas isso também foi discutido lá no seminário em Curitiba. Praticamente toda a campanha da Itália foi empreendida com base no ataque frontal. Este tipo de ataque era a única alternativa operacional para iniciar o assalto contra as linhas defensivas contínuas. Justamente aí jazia a dificuldade da guerra de montanha.

    A partir de uma primeira operação frontal é que se tornava possível realizar operações de pinça. Foi assim, por exemplo, na Linha Gustav e mais tarde no setor do II Corpo, também em fins de 1944.

    Foi isso que possibilitou a operação de pinça sobre Monte Castello, permitindo ao I Batalhão do Sampaio lançar sua progressão desde Mazzancana e combinar-se com o avanço do III Batalhão.

    Só fui entender esses problemas quando comecei a prestar atenção no começo do avanço aliado sobre a Itália, em fins de 1943 e início de 1944. Isso explica o altíssimo número de baixas que os aliados sofreram na Itália e explica também porque a guerra neste país foi particularmente ingrata.

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    • Com certeza. Não existe outro tipo de ataque inicial à uma linha de defesa se não o frontal. É geometricamente impossível. Sempre que podem, os estrategistas evitam o combate frontal contornando essa linha, como fizeram os nazistas contornando a Linha Maginot pelas Ardenas. Nos Apeninos isso não era possível. Uma vez rompida a linha de defesa, os alemães recuavam para a linha seguinte com extrema agilidade. Visitei casamatas formidáveis, abandonadas pela Wermacht, que não receberam um único tiro, por conta desse recuo.

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  5. À cerca deste belo artigo do meu amigo durval devo dizer a todos que a linha defensiva alemã(linha gótica) onde estava inserido monte castelo nunca foi conquistada ou derrotada por nenhuma força aliada,os alemães pura e simplesmente foram se retirando aos poucos,vale a pena lembrar que hitler colocou a elite de toda a máquina de guerra nazi nesse conjunto de fortificações(por exemplo os paraquedistas alemães nessa altura da guerra estvam quase todos na linha gótica) devo dizer que vários historiadores militares de ambas as partes são unânimes em afirmar que a linha gótica era intransponivel,tendo cabido aos praçinhas brasileiros tão árdua tarefa de lá combater pelos lados de monte castelo.
    Mas falando de derrotas e vitórias portugal costuma celebrar o dia do exército na data da maior derrota militar portuguesa da época moderna(9 de abril), a batalha de la lys ocorrida nas trincheiras da flandres,sabendo fazer muito bem a interpretação dessa data no contexto histórico da época e sem qualquer estigma com ninguém.
    É um artigo em que fica bem esta frase…GLÓRIA E PAZ AOS MORTOS,HONRA AOS VENCIDOS….
    o amigo de portugal
    rui estrela
    leiria
    portugal

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