Em menos de uma semana, a cidade cearense de Maranguape perdeu dois filhos ilustres. Ao falecimento do humorista Chico Anísio, no dia 23 de março, somou-se a morte do febiano Raimundo Nonato Monteiro, na última terça-feira, 27 de março, em Juiz de Fora-MG. O talento e a fama de Chico Anísio dispensam maiores comentários, mas a trajetória do seu conterrâneo Raimundo Nonato Monteiro — um dos três naturais de Maranguape que integraram a FEB — também merece ser relembrada.
Atitude comum nos veteranos que vivenciaram situações terríveis em combate, Raimundo Nonato não gostava de falar sobre a guerra. Por motivos óbvios, preferia contar episódios pitorescos ou, no máximo, situações vividas por companheiros seus. Com um sorriso nos lábios, lembrava da primeira frase que aprendeu em italiano: “belle gambe” (belas pernas), a fim de paquerar as moças que passeavam de bicicleta.
Gostava de lembrar de “causos” envolvendo um soldado medroso e “raro” do pelotão, apelidado de “Branca de Neve” — um negro retinto, muito seu amigo. Certa feita, quando “Branca de Neve” estava de sentinela, à frente do seu posto apareceu de surpresa um soldado alemão desertor, oferecendo rendição. Mais tarde, já recolhido o prisioneiro ao PC do Batalhão, um Capelão Militar perguntou ao soldado tedesco o que havia causado o enorme galo proeminente em sua testa. O alemão respondeu que foi por conta de um brasileiro que lhe havia jogado uma pedra. Estava enganado. Não foi uma pedra, mas uma granada de mão arremessada pelo assustado “Branca de Neve”; a granada foi encontrada mais tarde, ainda travada com o pino de segurança ….
Era muito fácil se deixar levar pela sua conversa descontraída. Ouvindo as histórias, um observador desavisado poderia imaginar que a trajetória de Raimundo na Itália não passou de uma excursão animada, com direito a alguns sobressaltos. Mas a realidade foi outra. São impressionantes, por exemplo, os relatos das patrulhas que empreendeu. Numa delas, ele conta que o comandante de pelotão lhe mandou reconhecer uma posição defensiva alemã:
“—Vai lá Raimundo, você que é cearense e filho de índio!”
Raimundo rasteja com habilidade até o local, surpreende o sentinela cochilando e apanha sorrateiramente a sua metralhadora. Nisso, sai do abrigo um suboficial que lhe aplica uma coronhada, jogando-o ao chão. Logo a seguir, o alemão desfere um tiro que perfura seu capacete e que, milagrosamente, apenas raspa o couro cabeludo. Ainda caído, Raimundo atira, acertando dois alemães. Na confusão, sua patrulha captura a guarnição alemã. Raimundo Nonato foi promovido, por bravura, de cabo à graduação de 1º Sargento, algo raro na Força Expedicionária Brasileira. Participou de várias batalhas, inclusive as de Monte Castello e de Montese, integrando a 9ª Cia, do III Batalhão, do 11º Regimento de Infantaria: O “Lapa Azul”.
Na região de Montese, Raimundo Nonato vivenciou momentos cruciantes da campanha brasileira:
“— Foi horrível, nem gosto de lembrar”, dizia. Nesse combate, foi ele ferido por uma granada de mão, sendo evacuado para tratamento no Fitzsimons Army Medical Center, em Denver, nos EUA (vídeo a seguir). Lá recebeu um enxerto de pele e um implante de metal na mão direita.
60 anos depois, tive o privilégio e a honra em entrevistá-lo, sendo recebido com muito bom humor, ouvindo suas memórias sobre a guerra e o implante metálico que volta e meia lhe causava embaraços, travando a porta giratória dos bancos. Raimundo se orgulhava dos feitos da sua 9ª Cia, segundo ele: “A primeira unidade do V Exército a atingir os seus objetivos na Ofensiva da Primavera”.
Perdeu assim Maranguape dois dos seus mais valorosos “Raimundos Nonatos”: o fictício, interpretado por Chico Anísio, na Escolinha do Professor Raimundo; e o real, na figura do sargento da FEB. Respectivamente, ambos tiveram “alunos” e soldados, “raros” e/ou destemidos. Respectivamente, também, nos deram muitas alegrias e nos legaram um mundo melhor, livre das ideologias totalitárias que combateram.
Descansem em paz!
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Olá,
Meu nome é Nicholas, sou filho do bravo combatente Sr. Raimundo Nonato.
Gostaria de parabenizá-los pela postagem!
Por um momento, lendo este texto, me senti como se estivesse ao lado do meu pai, ouvindo algumas de suas notáveis histórias, e não pude conter as lágrimas.
Muito mais do que saudades, ele deixou um legado de dignidade, bondade e coragem.
Obrigado!
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Caro Nicholas,
Foi uma honra ter conhecido o seu pai.
Muito obrigado e um forte abraço!
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Aos poucos, notórios ou obscuros personagens vão nos deixando. Cada um, a seu modo, foi importante cidadão brasileiro. Seguramente, virão outros, farão coisas marcantes também.
Assim é a vida. Apenas é preciso que todos fiquem registrados em nossas memórias. Eles são o nosso acervo, suas histórias são o nosso passado.
Adeus Raimundos, quem sabe não se encontram em outras esferas e não batem um grande papo de conterrâneos?
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O registro da memória… Quanta falta faz por estas bandas…
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