Certa vez, durante um seminário sobre a participação brasileira na II Guerra Mundial, um renomado historiador do IPHAN proferiu uma palestra criticando a ausência de um museu do Exército dedicado à Força Expedicionária Brasileira. Terminada a palestra, um oficial general subiu ao tablado e contestou o que havia sido dito pelo historiador, afirmando que o “O Exército Brasileiro possuía sim um museu dedicado à FEB”, e que ele estava no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial (MNMSGM).
Há uma grande distância entre o que a cultura popular chama de museu e o que tal estrutura representa de fato — inclusive no Exército. Na maior parte das organizações militares onde servi, havia um “museu” que raramente ia além de uma sala empoeirada, onde peças e documentos eram lentamente consumidos pela ferrugem, traças e mofo. Num deles, em Uruguaiana, existia um exemplar original do boletim contendo a repreensão dada pelo Duque de Caxias ao Marechal Mallet durante a Campanha da Tríplice Aliança. Noutra unidade, no Mato Grosso, havia boletins internos do final do século XIX, contendo o registro dos açoites aplicados como punições físicas. Apesar do valor histórico dos materiais expostos, as instalações estavam longe de serem museus.
Segundo o IPHAN — a instância superior do patrimônio histórico e artístico brasileiro —, o museu deve ser uma instituição “com personalidade jurídica própria ou vinculada a outra instituição com personalidade jurídica, aberta ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”. Os museus são instituições vivas onde diversas atividades são planejadas e executadas anualmente, possuindo uma equipe de profissionais dedicada prioritariamente à instituição: um diretor ou uma diretoria que seguem um Plano Diretor; museólogos e historiadores; um acervo gerido por um curador ou uma equipe de curadores, que cuidam das novas aquisições; profissionais encarregados da catalogação segundo as normas técnicas; restauradores e reserva técnica. Isso para citar apenas algumas das funções e instalações principais.
Assim, boa parte do que se denomina como museu no Brasil seria melhor descrito como acervo, exposição, mostra de material, memorial, arquivo, etc. O tal “museu” do MNMSGM é, na verdade, uma mostra de material em uma sala de exposições.[1]

Termos equivocados – O MNMSGM possui uma mostra de material de emprego militar utilizado pela FEB em uma sala de exposição — e não um museu. (Fonte: website do MNMSGM)
A FEB possui vários locais onde sua memória é tratada de forma elogiável e digna. O mais pungente deles, que tive a oportunidade de visitar, é o Museu do Expedicionário, em Curitiba: um belo prédio localizado em uma área nobre da cidade, que guarda um vasto acervo histórico dos pracinhas. Ali o governo paranaense promove a proteção, o acesso, a pesquisa e a ampliação do seu patrimônio, bem como detém a responsabilidade sobre os serviços técnicos, administrativos, de pessoal, manutenção física e conservação das peças componentes do acervo. Certamente isso não seria possível sem a atuação da Legião do Expedicionário Paranaense, prestadora de relevantes serviços em prol dos veteranos. Todavia, o exemplo do Museu do Expedicionário é um caso raro — talvez o único no Brasil.

Museu do Expedicionário em Curitiba – um dos mais belos e importantes locais de preservação e difusão da memória da FEB.
Há outras instituições/museus donos de um notável acervo histórico, como o da Rua das Marrecas (RJ), o de Belo Horizonte (MG), o de Jaraguá do Sul (SC), o de Petrópolis (RJ) e os pertencentes às associações de veteranos que se recusam a fechar as portas. Em vários deles, a manutenção depende da boa-vontade e dos recursos da organização militar do Exército na cidade. Não raro, os responsáveis pela administração são voluntários que trabalham sem remuneração, usando parte do seu tempo livre.
Entretanto, a memória da FEB ainda carece de uma instituição encarregada de preservar a sua memória no âmbito nacional. Como exemplo no exterior, podemos citar o caso da 10ª Divisão de Montanha — que lutou ao lado dos brasileiros — e sua fundação: a Tenth Mountain Division Foundation. Entre outras atribuições, a fundação coordena a doação de materiais históricos pertencentes aos seus veteranos e familiares para diversos museus nos EUA e na Itália, onde são recebidos por um responsável previamente designado.[2]

Fundação da 10th Mountain Division – Os EUA enviaram para o combate na II GM mais de 100 Divisões. O Brasil se mostrou incapaz de cuidar da memória de apenas uma.
Muitos criticam o paralelo feito a um país desenvolvido como EUA, mas nesse caso a crítica é infundada, pois embora o discurso oficial seja outro, não existe falta de recursos para a construção e/ou manutenção de museus — pelo menos quando há interesse político em jogo. O “Museu do Lula”, por exemplo, deve receber a quantia de R$ 23,4 milhões para a sua construção. O governo federal arcará com 80% desse total, e o município de São Bernardo do Campo 20%.[3]
Já a “torre da UNE” no Rio de Janeiro, que inclui um museu e memorial, custará aos cofres públicos a bagatela de R$ 65 milhões à título de “reparação pelos danos durante a ditadura militar”.[4] [5] A manutenção anual de uma fundação dedicada à FEB, nos moldes da que já existe para a 10ª Divisão de Montanha, provavelmente exigiria um valor irrisório se comparado ao destinado aos tais museus de conotação politico-ideológico-partidária.
Passados mais de sete décadas do final da II Guerra Mundial, o Brasil ainda não possui uma instituição ou fundação — de âmbito nacional — exclusivamente destinada a coordenar o recebimento, catalogação, preservação e divulgação dos materiais históricos dos veteranos e das suas associações, que hoje desaparecem em ritmo acelerado.
A FEB continua sem um único museu destinado à sua memória, que tenha uma estrutura profissional e seja mantido pelo governo federal brasileiro. Provavelmente, jamais teremos um.
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[1] http://www.mnmsgm.ensino.eb.br/MNMSGM_arquivos/estrutura2.htm
[2] http://www.tenthmountainfoundation.org/
[3] http://oglobo.globo.com/brasil/com-obras-atrasadas-museu-do-lula-alvo-de-investigacoes-15979671
[4] http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-moderna-torre-da-une-no-rio-de-janeiro,1688848
[5] http://www.une.org.br/praia-do-flamengo/fachada-da-nova-sede-da-une-em-obras/
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