Faleceu em 29/03/2023, aos 105 anos, a capitão Virgínia Maria de Niemeyer Portocarrero, última das 67 enfermeiras da Força Expedicionária Brasileira e de outras seis enfermeiras que atuaram junto ao 1º Grupo de Aviação de Caça durante a Campanha da Itália.
Virgínia Portocarrero, nasceu na Cidade do Rio de Janeiro. Apresentou-se voluntária para a FEB, na Diretoria de Saúde do Exército, no prédio do então Ministério de Guerra, hoje Palácio Duque de Caxias, no centro do Rio de Janeiro. Realizou Curso de Emergência de Enfermeiras da Reserva do Exército, de janeiro a abril de 1944, sendo convocada como Enfermeira de 3ª Classe. Em junho de 1944 seguiu, por via área, para a Itália, vindo a servir nos hospitais norte-americanos, na Seção brasileira. Em agosto, por determinação do Comandante da FEB, junto com as demais companheiras enfermeiras, foi arvorada ao posto de 2º tenente.

Em 1944, como tantas jovens de sua época, Virgínia poderia ter permanecido no conforto da Capital Federal, alheia ao banho de sangue da guerra. Aos 27 anos, atraente e charmosa, poderia passar o tempo bronzeando-se nas areias da praia de Copacabana, arrancando suspiros e galanteios dos rapazes cariocas. Mas ela escolheu outra ocupação bem diferente: zelar pela vida e a saúde de outros jovens brasileiros feridos no campo de batalha:
“Inicialmente, gostaria de dizer do meu orgulho de ter pertencido a FEB, de ter tratado desses heróis, que foram os seus integrantes. Foi uma fase muito penosa, mas muito bonita na minha vida, cooperar com esses abnegados militares que tanto deram de si, alguns a própria vida, a maioria a sua própria saúde – física e mental – para melhorar a situação do povo brasileiro; foi um orgulho enorme”, testemunhou ela perante a História Oral do Exército na Segunda Guerra Mundial.
Virginia foi uma das cinco enfermeiras precursoras, sendo, portanto, uma das que mais tempo esteve no teatro de operações da Itália.

“Cheia de cuidados e responsabilidades, tratei-lhes o físico e o moral, agradecendo a Deus por ter-me guiado a tais paragens e me proporcionado forças para poder aliviar-lhes as dores com minhas próprias mãos. Que orgulho poder cuidar de um herói! Em vez de lágrimas nos olhos, eu lhes sorria e a todos encorajava pelos valores que deles emanavam. Sabia que se demonstrasse apreensão, o reflexo na enfermaria seria ruim. Fingia alegria, transmitindo-lhes paz, porém me doía, profundamente, ver aqueles meninos tão machucados. Com o auxílio de mantas e travesseiros, conseguia amenizar-lhes os padecimentos.
Em geral, nos hospitais de evacuação fazíamos o possível para que as mutilações não fossem notadas pelas vítimas. Na sala de operação, a equipe médica completava com grande maestria os membros amputados, preenchendo-os com gesso para que não fossem notados pelos pacientes. No início, não pressentiam a mutilação. Queixavam-se de dores em membros que já não existiam. Através de suas papeletas e na visita médica éramos sempre informadas do ocorrido, porém, muitas vezes, um companheiro desavisado chegava para visitar um amigo e deixava transparecer o ocorrido. Quando isso acontecia, era de fato muito difícil controlar a situação, para que não se tornasse mais séria.”
Após a guerra, Virgínia foi licenciada do Serviço Ativo e retornou à Prefeitura do Distrito Federal, onde serviu até 1957. Neste ano, por dispositivo legal, foi convocada para o Serviço Ativo do Exército, retornando no posto de 2º tenente e classificada na Policlínica Central do Exército. Em 1962, foi promovida ao posto de 1ºtenente Enfermeira. Em 1963, deixou o Serviço Ativo, quando foi promovida a capitão, ingressando na Reserva de 1ª Classe. Por sua participação na Segunda Guerra Mundial recebeu a Medalha de Campanha e a Medalha de Guerra.
São muitas as histórias contadas por ela durante a entrevista inclusa no Tomo 6 da coleção da História Oral do Exército, que pode ser baixado neste link da Biblioteca Digital do Exército. Virgínia fez parte de um grupo altamente voluntarioso de mulheres que trocou o conforto e a segurança de seus lares pelos perigos de uma guerra mundial, quando uma simples viagem para outro país, em tempos de paz, era uma verdadeira aventura para as pessoas da época. Poucos meses antes da chegada dos pracinhas à Itália, uma granada de artilharia germânica matou e feriu várias enfermeiras num hospital de evacuação. Os “Anjos de Anzio“, como ficaram conhecidas as vítimas fatais norte-americanas, trabalhavam no mesmo V Exército em que as brasileiras iram servir.
Em qualquer nação que combateu na Segunda Grande Guerra, sua última enfermeira seria objeto de homenagens e distinções variadas — exceto no Brasil. Num país em que a maior parte dos universitários completa o ensino superior sem ao menos saber o significado da sigla FEB, a história das abnegadas do Serviço de Saúde foi relegada ao ostracismo. Em lugar das enfermeiras febianas, figuras bizarras e masculinizadas são as preferidas da mídia para representar uma falsa representação da mulher brasileira.
A jornada das enfermeiras da FEB e da FAB representa o maior exemplo de denodo coletivo da mulher brasileira em todo o século XX. Ninguém lhes obrigou vestir a farda. Foram voluntárias para seguir rumo às tribulações e vicissitudes da guerra. A elas, a nossa continência e o nosso respeito.
DESCANSE EM PAZ, CAPITÃO!
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PARABÉNS, CAPITÃ VIRIGÍNIA! VOCÊ É UM ORGULHO PARA TODOS NÓS BRASILEIROS, POR SEU VALOROSO TRABALHO. QUE DEUS A ABENÇOE E LHE CONCEDA AINDA MUITO ANOS DE VIDA.
CEL QOPM REF BELÍSIO MOTTA DE OLIVEIRA – POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL
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Minha respeitosa continência, Capitão Virginia Maria, ex-Cmb FEB. Muita saúde, vida mais longa e muitas felicidades. Abraço virtual de volta e meia. Com especial afeto, Monteiro – Cel Dent Ref, Salvador-BA.
P.S. – Será que o comentário a) Durval Pereira seria do amigo Gen Andrade Nery?
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Diferentemente das vivandeiras que objetivavam o comércio, as enfermeiras nunca comerciaram, ao contrario, doaram-se em prol dos soldados brasileiros.
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Caro José, obrigado pela sua contribuição. Na Campanha da Tríplice Aliança havia vivandeiras de vários tipos e, de fato, tal menção pode vista como desairosa. Retirei esse trecho.
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Grande matéria, muito bem escrita. Precisamos mais que nunca, de grandes modelos de abnegação, desprendimento e amor, como o da capitão Virginia.
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