DE VOLTA À PÁTRIA
“Imolando-se pela Pátria, adquiriram uma glória imortal e tiveram soberbo mausoléu, não na sepultura em que repousam, mas na lembrança sempre viva de seus feitos. Os homens ilustres têm como túmulo a terra inteira”
Em 22 de dezembro de 1960, a cidade do Rio de Janeiro presenciou um daqueles episódios que ficarão eternamente gravados em sua história. Naquele dia, 462 pequenas caixas de zinco, encerradas em urnas de madeira, chegaram ao recém-inaugurado Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, mais conhecido como Monumento aos Pracinhas. Dentro delas, estavam os restos mortais de 462 brasileiros, tombados durante a Campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Itália, durante o último conflito mundial.
Realizada na manhã ensolarada de uma quinta-feira, a cerimônia de recepção literalmente parou o centro da cidade, onde a população prestou espontâneas homenagens — homenagens só devidas aos heróis.

Vindo do Palácio Tiradentes, o longo cortejo conduzindo as urnas tomou o rumo da Avenida Rio Branco. A avenida, repleta pela multidão emudecida, estava preenchida por silêncio abissal. Um silêncio só quebrado pela da batida emotiva do surdo, ecoando pelos edifícios em meio a uma atmosfera surreal. Jamais houve um dia igual àquele na cidade. As urnas, cobertas por pequenas bandeiras brasileiras, eram carregadas de forma marcial por veteranos de guerra, militares da ativa, da reserva, viúvas e familiares dos falecidos.
Ao fundo, ouvia-se os estrondos de salvas de peças de artilharia. Respondiam a elas os fortes da Baía de Guanabara, troando os seus canhões. No céu, esquadrilhas da Aeronáutica sobrevoavam o cortejo. Do alto dos edifícios, o povo fazia cair uma chuva de papel picado sobre a avenida. Ao longo do trajeto, numerosas guarnições da Marinha, Exército e Aeronáutica prestavam solene continência, inclusive representações de militares estrangeiros dos países amigos.
Acostumados a assistir com alegria os desfiles das escolas de samba – à época realizados no mesmo local – os cariocas assistiram ao evento com a expressão contrita e o olhar fixo nas urnas, testemunhando o último desfile dos bravos que tombaram na guerra. As batidas do surdo pareciam ressoar na alma de cada um dos presentes, contagiando e emocionando a todos.
Porém, quando o cortejo chegou ao monumento, o instrumento emudeceu. Lá estava o presidente da República, Juscelino Kubistchek, os aguardando. Uma urna com os despojos de um soldado brasileiro não identificado foi entregue pelo ex-comandante da FEB, marechal Mascarenhas de Moraes, ao Presidente da República, que a depositou na base do Pórtico Monumental.
Quando perguntados pela imprensa porque não deixaram os corpos enterrados na Itália, conforme fizeram outras nações, Juscelino Kubitstchek e Mascarenhas de Moraes provaram, uma vez mais, porque foram expoentes em suas carreiras. Responderam eles:
“O Brasil precisava de seus mortos como exemplo para os vivos” – Juscelino Kubitschek
“Eu os levei para o sacrifício. Cabe-me trazê-los de volta“
– Marechal Mascarenhas de Moraes
A Entrada
Desça, humilde e pequeno, contrito sempre, os degraus que o levarão à cripta do mausoléu. Sinta a emoção constringir-lhe o peito, tomar-lhe a garganta e estreitá-la num rito incontrolável. Aos poucos, a cada olhar pelo cenário que se abre ali, haverá lágrimas pedindo para cair. Lá, no tabernáculo do soldado que não regressou, um silêncio profundo o envolverá. Ouvir-se-á apenas o rumorejar suave da água que cai do pequeno lago para o plano da tumba eterna.
Você ouvirá os passos da sentinela que ali transita, na monotonia do quarto-de-hora do para-lá-para-cá, e tudo o mais será silêncio.
O silêncio da Morte, o silêncio da História, o silêncio da Pátria. O silêncio da Vida. Todos e tudo reverenciam a memória que lá se agasalha: a saudade do brasileiro a quem a terra distante pediu o sacrifício de sua vida. E ele a deu.
Vá, lentamente, sem pressa, passando de urna em urna e leia os nomes que, na pedra de Carrara foram gravados, estampados no mármore para a eternidade e para o testemunho dos tempos.
A nostalgia haverá de invadir o seu coração; aquele silêncio o atordoará e você meditará. Meditará o sacrifício daqueles homens desconhecidos e que se imolaram por aquilo que os dedos não sentem, os olhos não vêem, mas que no íntimo palpita, chamado Dever, também Pátria.
Você ouvirá os passos da sentinela! E então ver-se-á levado a filosofar sobre a fragilidade de sua gratidão e a ingratidão do seu esquecimento. Será um minuto que nunca mais se apagará da sua lembrança, se o impulso que o convidou à peregrinação for o mesmo que marca, nos verdadeiros homens, o instante em que eles se agigantam para a posteridade.
Depois de uma prece por eles, deixe o relicário dos heróis e vá redimir-se e conhecer a história dos moços que deixaram a terra boa… E não retornaram!
A Saída
E enquanto subir os degraus rumo ao sol, certo de que na penumbra da cripta há mais luz do que no adro do Monumento, lembre-se de que aqueles homens, tão jovens e tão cheios de ardor pela Pátria, pela qual iriam morrer, cantavam esperançosos o estribilho da Canção do Expedicionário:
“Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá. Sem que leve por divisa, esse “V” que simboliza a vitória que virá”.
Daí por diante, compassivo a refletir, porém, grato, você dirá: glória eterna aos heróis de Monte Castelo, de Montese, de Camaiore, de Monte Prano, de Castelnuovo, de Zocca, Collecchio, Fornovo di Taro; glória eterna ao homem da FEB, glória eterna a tantos que, traçando-o com seu sangue, acrescentaram ao rol das vitórias brasileiras, em seus quatro séculos de história e tradições nobres, mais essas peças de edificantes exemplos para a mocidade e para o futuro da Pátria.
Adaptação do texto de autoria do Dr. Wilson Veado, MM Juíz do Tribunal de Alçada – MG.





Imagens: Arquivo Nacional

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