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A Engenharia da FEB

Sediado em Aquidauana (Mato Grosso do Sul), o 9º Batalhão de Engenharia foi criado por decreto-lei em 6 de outubro de 1942, em seguida ao reconhecimento pelo Brasil do Estado de Beligerância com os governos da Alemanha e da Itália. A 1ª Companhia do batalhão foi escolhida para integrar o 1º Escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Praticamente inexiste um relato específico da atuação dessa subunidade, pois a historiografia do tema teve como base os testemunhos dos integrantes dos escalões seguintes. Assim, fomos buscar em fontes primárias os feitos e a avaliação do desempenho da fração precursora da Engenharia durante a Campanha da FEB na Segunda Guerra Mundial.

A fim de preencher essa lacuna, resgatamos nos EUA a História do IV Corpo (History of the IV Corps, November 1940 – October 1945), arquivada no U.S. Army Center of Military History. No Arquivo Histórico do Exército (AHEx), colhemos o Relatório das Operações Realizadas pelo 9º Batalhão de Engenharia na Campanha da Itália. A iconografia foi pesquisada no AHEX, no The National Archives and Records Administration (NARA) e na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro). Buscamos em Londres, no The National Archives, os Relatórios do Destacamento de Ligação Brasileiro (Brazilian Liaison Detachment -BLD): destacamento norte-americano encarregado de instruir e facilitar as ligações do Exército Brasileiro como o US Army.

Tão logo chegou à Itália, em julho de 1944, um pelotão da Cia de Engenharia frequentou o curso da Escola de Pontes M2 Bailey; outro grupo, capaz de compreender o inglês, teve aulas da Escola de Guerra de Minas. Os alemães em retirada arruinaram as pontes centenárias na Toscana, e os largos e caudalosos rios Arno e Serchio, além dos seus inúmeros afluentes e canais, detiveram o avanço do IV Corpo para o norte da península italiana.  A carência de pessoal de Engenharia criou um entrave logístico para o V Exército, que precisou empregar precocemente os neófitos engenheiros nacionais.

Instrução de minas para sapador da FEB.
O 2º sargento Salatiel Dias (1º Escalão da FEB) aprende a operar o detector de minas com o auxílio de um instrutor norte-americano (National Archives).

Lançados em ação desde 5 de setembro, foram os primeiros expedicionários designados para missões reais. Para dificultar o serviço dos engenheiros, os alemães instalaram 50 kg de explosivos nos escombros da base de uma das pontes, e três teller-mines (minas antitanques) em outra”. A tarefa desafiadora não intimidou a tropa novata que, segundo o coronel Lima Brayner, chefe do Estado-Maior, zarpou do Brasil com apenas 50% do adestramento devido. Todas as armadilhas foram neutralizadas sem demora. Nada mal para a unidade que treinara no Brasil com latas de goiabada vazias do rancho simulando minas (as maiores consideradas anticarro e as menores, antipessoal e armadilhas).

Duas pontes Bailey tiveram construção iniciada em 5 de setembro, com a primeira inaugurada no amanhecer do Dia da Independência do Brasil, no vilarejo de Montecalvoli (20 km a sudeste de Pisa), sobre os destroços de uma ponte de concreto no canal Usciana, afluente do Arno. A data inspirou o nome de batismo: “Sete de Setembro”.

Ponte Montecalvoli (Ponte “Sete de Setembro”)
Ponte ” Sete de Setembro”, em Montecalvoli.
Ponte "7 de sSetembro"
Aspecto da ponte “Sete de Setembro” após finalizada.

Instalaram a segunda, “Entre Rios” (fotos abaixo), no mesmo canal, poucos quilômetros acima, em Santa Maria a Monte, debaixo da tempestade que causou súbita inundação na noite de 7 para 8 de setembro de 1944.

Com base no relato do BLD, estima-se que o notável trabalho da equipe de engenheiros tenha inspirado o general Mark Clark, comandante do V Exército dos EUA, na mensagem aos pracinhas relativa ao Dia da Independência do Brasil. A História do IV Corpo registrou que “a avidez e a aptidão [da Engenharia brasileira] deram bom presságio quanto à chegada do restante da Divisão” — frase reproduzida posteriormente por Clark, em mensagem ao general Mascarenhas de Moraes.

Ainda em setembro, uma seção de engenheiros foi anexada à pequena força-tarefa do capitão Ernani Ayrosa. Essa equipe retirou e desarmou obstáculos e armadilhas à frente do extenso comboio multinacional. Dez brechas foram reparadas até Camaiore, com a retirada de cinco cargas explosivas, 30 booby traps, 52 minas anticarro, 50 granadas de artilharia (20 de alto calibre) e cerca de 200 kg de explosivos. Feito o serviço, dois tratores Caterpillar com bulldozer aplainaram o terreno para permitir a progressão das viaturas. Repetiu-se o processo oito ou dez vezes, até a localidade de Montemagno, alcançada por volta das 18h.

Os elementos de Engenharia foram os primeiros a entrar na zona urbana de Camaiore, às 18:15h de 18 de setembro de 1944, a comando do 1º tenente Paulo Nunes Leal (seis mineiros, mais um soldado de infantaria e o fotógrafo Fernando Stamato) — feito que remete ao trecho da canção da Arma: “Muitas vezes, dos bravos é o primeiro”.

Nossos engenheiros receberam o encargo de construir nova ponte tipo Bailey M2 — a famosa “Ponte Carioca” —, a fim de propiciar o acesso rodoviário a Camaiore. Segundo o sargento Nilson Vasco Gondin, mal terminavam a construção, “vinha dos céus um dilúvio de obuses e, de imediato, a ponte estava no chão novamente. Este fato repetiu-se por duas ou três vezes”. Enfim, dois dias mais tarde, normalizou-se o fluxo de suprimentos para a cidade, quando a ponte foi finalizada de vez.

 "Ponte Carioca" em Camaiore
A “Ponte Carioca” foi montada na estrada de acesso a Camaiore. Ao fundo, o famoso Monte Prana (Correio da Manhã).

Depois disso, os engenheiros se empenharam em trabalhos de manutenção de estradas no Vale do Rio Serchio, sob as inclementes condições meteorológicas (pesadas chuvas) do outono na Toscana, que dificultaram sobremaneira o trabalho — serviço conduzido quase totalmente “no braço”, sem o auxílio de tratores e de maquinário condizente.

Tropa de Engenharia da FEB (ao fundo) na região de Ponte a Moriano.
Outubro de 1944. Tropa de Engenharia da FEB (ao fundo) na região de Ponte a Moriano, no trabalho de desobstrução da estrada. Em primeiro plano Esq., o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, acompanhado dos generais Mascarenhas de Moraes e Zenóbio da Costa.

Qual foi a avaliação do BLD acerca das primeiras ações da Engenharia da FEB? O relatório norte-americano elogiou o empenho do comandante da subunidade, capitão Floriano Möller:

 Embora o BLD não tivesse nenhum oficial ao lado do capitão Möller, seu excelente trabalho merece ser comentado aqui porque, em virtude dele, todo o combat team, mais o BLD, mostrou-se capaz de entrar em linha conforme o calendário previsto. Seu encargo foi extremamente difícil, em razão de utilizar seções de pontes de engenharia standard, pré-fabricadas, enquanto mostrou-se necessário construir pontes de comprimento inusual de 190 e 140 pés [cerca de 58 e 43m], respectivamente.

Capitão Floriano Möller, da 1º Cia do 9º Batalhão de Engenharia.
Setembro de 1944. Capitão Floriano Möller instruindo os seus comandados (National Archives).

Avaliação: 5 de 5.
Guerreiros da Província

2 respostas para “A Engenharia da FEB”.

  1. Avatar de MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO
    MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO

    Boa tarde, gostaria de saber se têm conhecimento do nome do fotógrafo que fez essas fotos:

    Soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que atuaram na Segunda Guerra Mundial, principalmente em batalhas na Itália, entre os anos de 1944 e 1945.

    Em 27 de setembro, ocorreu a rocada do Destacamento FEB para o Vale do rio Sercchio., conquistando as localidades de Lopleglia e Fianno.

    Tropa de Engenharia da FEB (ao fundo) no trabalho de desobstrução da estrada na região de Ponte a Moriano, outubro de 1944. Em primeiro plano à esquerda, o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, acompanhado dos generais Mascarenhas de Moraes e Zenóbio da Costa. Memória da FEB.

    É para um livro que irei publicr pela minha editora Companhia de História

    Profa. Dra. Maria LUiza Tucci Carneiro

    USP – malutucci@gmail.com

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    1. Avatar de Durval Lourenço Pereira

      Olá! Infelizmente, as fotos não possuem identificação do fotógrafo. Alias, não possuem identificação alguma. São raras as que possuem algum tipo de referência.

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