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A FEB e o Garand

Rifle M1 Garand

Os regimentos de infantaria do Exército dos Estados Unidos tiveram à disposição o armamento individual mais moderno e poderoso do planeta: os fuzis Cal .30 M1. Essa nomenclatura pode não chamar a atenção do leigo, mas o nome do projetista talvez o faça: John Cantius Garand.

O inventor canadense levou anos aperfeiçoando um protótipo de especificações técnicas e inovações tecnológicas que o transformaram em ícone da militaria, ao lado das pistolas Mauser e Luger, e dos revólveres Colt e Smith & Wesson. Não foi à toa que o general George S. Patton declarou certa vez: “Em minha opinião, o rifle M1 é o maior implemento de combate jamais projetado”. Patton sabia que a tarefa inerente ao fuzileiro em tempos de guerra visa matar o inimigo — e o Garand era o instrumento ideal.

Aprovado nos testes em 1936, o US Army padronizou-o na Infantaria. Houve controvérsias no Corpo de Fuzileiros Navais, que relutou em substituir o arsenal. Os Marines reconheceram o poder de fogo sem igual do fuzil M1, mas fizeram sérias ressalvas à confiabilidade, por conta de problemas de funcionamento quando exposto à areia das praias, à água salgada ou mesmo sob chuva contínua. Seu sucesso na batalha de Guadalcanal finalmente convenceu os céticos da Marinha, pois a força de impacto do tiro mostrou-se capaz de deter as cargas banzai japonesas. De acordo com o tenente John B. George, “Quase todos os [fuzileiros navais] com quem conversei [em Guadalcanal], que usaram o Springfield em combate — sem a luneta —, prefeririam usar um Garand”.

Antes do M1, não havia uma arma com operação semiautomática de uso generalizado para a Infantaria. O grande avanço estava na possibilidade de o combatente esvaziar o pente de munição sem retirar o dedo do gatilho — vantagem significativa em combate. O carregador com oito cartuchos dava-lhe capacidade de fogo que suplantava os melhores fuzis do Eixo, como o Karabiner 98k (alemão), o Arisaka Type 99 (japonês) e o Carcano M91 (italiano). A Wehrmacht também disponibilizou armas semiautomáticas para a sua infantaria, como o Gewehr G-41/43 e a carabina K-43, mas em proporção muito inferior às do engenhoso oponente. A título de comparação, o III Reich fabricou em torno de 400 mil peças desses dois modelos durante toda a guerra — pouco mais do que o volume trimestral do Garand em uma única fábrica ianque.

A indústria bélica norte-americana produziu 4.014.731 exemplares do M1 entre 1940 e 1945, substituídos apenas em 1957, após a Guerra da Coreia. Com pequenas modificações, o revolucionário sistema de ejeção, com base em um conjunto original de ferrolho móvel e gás, continua presente nos fuzis modernos.

O novo arsenal conferiu potencial ofensivo sem paralelo aos seus detentores. Em 1941, a edição em português da revista Em Guarda publicou o artigo “Infantaria Moderna”. O texto presumia que uma tropa atacante de 36 homens, munida com os Garand em terreno descoberto, poderia “aniquilar um regimento inteiro em 60 segundos” (foto abaixo).

Revista Em Guarda, Garand

O Exército Brasileiro utilizava os excelentes fuzis mauser 1908 e 1934, mas o seu calibre de 7mm era incompatível com o padrão norte-americano (7,62mm). Sem condições de prover o suporte logístico (inclusive munição e manutenção) no MTOUSA (Teatro de Operações dos EUA no Mediterrâneo), restava aos expedicionários utilizar outro modelo de armamento individual. Acordos foram firmados com Washington para dotar a expedição nacional com armas made in USA. Obviamente, o comando da FEB cobiçava os famosos fuzis M1.

Soldados do Exército Brasileiro nos anos 1940.
Anos 1940. Militares do Exército Brasileiro empunham fuzis Mauser. Ao fundo, o penhasco Dois Irmãos. Trata-se, possivelmente, de efetivo do antigo 5º Grupo Móvel de Artilharia de Costa, no Leblon (Revista Em Guarda).

Em março de 1943, durante excursão ao norte da África, o brigadeiro Eduardo Gomes viu o general Mark Clark — que ansiava pelo reforço dos sul-americanos — demonstrar-lhe as vantagens do M1 sobre o antigo fuzil.

Mark Clark e Eduardo Gomes
Norte da África, março de 1943. Mark Clark exibe a Eduardo Gomes as diferenças entre o Garand e o Springfield (AHEx).

O general Mascarenhas de Moraes esperava dotar os seus soldados com o fabuloso e decantado rifle estrangeiro. Entretanto, poucos dias após o 1º Escalão da FEB desembarcar em Nápoles, veio a ducha de água fria: a logística dos EUA reservou aos pracinhas os velhos Springfield M1903.

Muitas e variadas foram as desculpas apresentadas pelos ianques para a surpreendente troca do modelo de fuzil: de dificuldades na linha de produção à prioridade das tropas em luta na Normandia. De estoques baixos na Itália à maior complexidade no manuseio do M1 para as tropas nacionais.

80 anos depois da chegada do escalão precursor febiano à Europa, essa questão ainda provoca acirradas controvérsias, sem uma explicação definitiva. Afinal, por que os Garand não foram distribuídos à FEB de acordo com a dotação prevista?

Para responder a essa pergunta, fizemos uma pesquisa minuciosa na documentação do Arquivo Histórico do Exército (AHEx), nos Arquivos Nacionais dos EUA (NARA) e nos Arquivos Nacionais do Reino Unido (The National Archives). Muitos desses documentos são inéditos no Brasil, e permaneceram por décadas longe das vistas do público devido à restrição imposta pelo sigilo oficial.

Sgt Onofre em instrução do fuzil Springfield
Vada, agosto/setembro de 1944. Ao lado dos colegas, o sargento Onofre Rodrigues de Aguiar (6º RI) recebe instrução de manejo do fuzil Springfield 1903 de um instrutor americano. O uso do armamento ultrapassado não impediu que Onofre se destacasse como herói da FEB, detentor da Medalha Silver Star (Arquivo Nacional).

As respostas estão em nosso livro Guerreiros da Província.

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