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A tropa do capitão Ayrosa (2ª Cia do Sexto) teve pouco tempo de descanso após a conquista de Camaiore. A ânsia de Zenóbio pela conquista do Monte Prana fez com que a abandonassem antes da substituição pela 1ª Cia. Assim, quando chegaram à cidade, os tenentes Félix e Gonçalves se depararam com a prefeitura ocupada por guerrilheiros comunistas.

A 1ª Cia recebeu ordem de ocupar Camaiore no lugar da 2ª Cia, que partira para as alturas de Casoli, com o intuito de envolver o Prana pelo oeste. Em busca de locais para a acomodação dos comandados, os tenentes Gonçalves e Félix andaram pelas ruas desertas, em silêncio absoluto, no que escutaram o som de um piano ecoando no ambiente fantasmagórico. Ao verificar a origem da música, se depararam com um solitário pracinha a dedilhar o teclado. Em seguida, esbarraram com um partigiano e sua vestimenta folclórica: bandeira italiana enrolada no pescoço, calça curta, roupa suja e cabelos compridos. Trazia farto conjunto de armas: punhal, faca, pistola, metralhadora e granadas de mão dependuradas no corpo.

— Você conhece algum armazém onde possamos abrigar nossa companhia esta noite?— perguntaram a ele.

—Não sei, mas venham comigo. Vamos falar com o chefe da nossa unidade — respondeu o guerrilheiro.

Acompanharam-no até o prédio da administração municipal, já desocupado pela 2ª Cia. Subiram as escadas e encontraram os novos “governantes” na sala principal.

Inexiste vácuo de poder em uma guerra. Os partigiani, embriagados, reuniam-se em torno de uma grande mesa, com o arsenal largado no tampo de madeira: granadas, metralhadoras, pistolas e fuzis de todos os tipos imagináveis. “A impressão que se teve era a de que o local não passava de um covil de criminosos”, recordou Gonçalves.

A dupla de oficiais abriu com discrição os coldres, a fim de alisar o cabo das pistolas .45. O capo partigiano [chefe dos guerrilheiros], homem de personalidade obtusa e burlesca, lhes propôs um acordo: disse poder oferecer solução para as necessidades da FEB caso recebesse rações em troca.

— Se o comando brasileiro me der comida, eu darei vinho.

Os tenentes responderam que a proposta estava além do alcance de suas atribuições. Como a negociação não seguiu adiante, saíram rapidamente dali, temerosos de possível reação violenta do bando alcoolizado, pois o clima do encontro não parecera amistoso.


O guerrilheiro que primeiro avistaram os seguiu, possivelmente obedecendo ordem do cabeça do grupo, e lhes falou: — Quero mostrar uma coisa para vocês. Entraram em uma das vielas do pátio da prefeitura, esgueirando-se por um beco até chegar a um compartimento fechado por grande portão de ferro. O indivíduo tirou uma chave do bolso e abriu o portão, descortinando a cena chocante. Ali estavam vários cativos.

— São todos fascistas […] amanhã serão fuzilados — disse ele. Os civis ajoelharam-se no interior da masmorra improvisada; imploraram por clemência, negando a acusação de partidários do fascismo. O comportamento e as intenções do partigiano causaram repulsa aos tenentes, já que tratava daquilo com absoluta frieza. O circuito de horror ainda não terminara.

— Agora vou lhes mostrar outro — disse o carcereiro, que abriu nova porta. Dentro do galpão seguinte estavam mulheres: esposas, filhas e mães dos homens detidos.

—Isso aqui nós vamos oferecer para os brasileiros.

A exibição não acontecera por acaso. O convite para o estupro coletivo das senhoras, moças e meninas visava convencer os oficiais a fecharem o negócio proposto pelo capo. Talvez influenciado pela propaganda nazista, ele supôs que os “bárbaros sul-americanos” compartilhassem da sua rotina de beberagem e selvageria.


Aflitos para impedir a atrocidade, Félix e Gonçalves retornaram imediatamente ao PC do batalhão, para denunciar o que estava prestes a se consumar. O Comando do RCT informou aos americanos, que despacharam uma coluna motorizada para resgatar os cidadãos encarcerados, levando-os a um campo de triagem para averiguar as acusações de militância fascista. Ainda assim, nem tão cedo os habitantes de Camaiore se veriam livres da sanha persecutória.

Anelito Breschi, nomeado sindaco (prefeito) pela guerrilha, terminou destituído do cargo apenas um mês depois pelo governador militar Aliado. De volta à região, passados 25 anos, Rubem Braga notou hostilidade na resposta de um italiano ao perguntar por Breschi:

Sindaco? Era provisório, era um comunista, não um prefeito de verdade; era um daqueles sujeitos que tomaram conta de tudo e queriam fuzilar todo mundo depois que os alemães saíram e a tropa brasileira chegou.

Até então, o contato dos expedicionários com o inimigo se limitara a escaramuças fugazes e ao longínquo e esparso bombardeio inimigo. Porém, a conjuntura favorável seria paulatinamente modificada, à medida que o Destacamento penetrava em território hostil. Com exceção da crueldade inata ao totalitarismo contra o ser humano, a verdadeira guerra ainda não se revelara aos pracinhas.

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Texto adaptado do livro Guerreiros da Província: a jornada épica da Força Expedicionária Brasileira, Juiz de Fora, Insigth Books, 2024, pp. 320-321.

Uma resposta para “O “presente” partigiano”.

  1. Avatar de Fidelis Soares
    Fidelis Soares

    Eu sou fã dos fragmentos da História dentro da História Maior da WWII,parabéns por nos brindar com Histórias que tinham que ser produzidas em filme para mostrar a saga de nosso soldados na Itália.

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