
O soldado provinciano da Força Expedicionária Brasileira (FEB) normalmente vinha de família humilde, dotado de pouca ou nenhuma instrução. Segundo o Censo de 1940, mais da metade da população nacional da época não sabia ler ou escrever, e esse percentual era ainda mais elevado no interior do Brasil.
Contudo, o homem do campo possuía certos atributos da área afetiva que o destacavam no universo febiano. De modo geral, era um sujeito disciplinado, religioso, rústico, valente e brioso. Sobretudo, mostrava-se fiel aos juramentos e aos fortes laços familiares e comunitários — bases do elevado espírito de corpo do contingente expedicionário. Espelhavam a sociedade brasileira dos anos 1940 de forma quase inacreditável para tempos atuais, assemelhando-se mais a um conto de J. R. R. Tolkien, na série “O Senhor dos Anéis”.
Mostra desse Esprit de Corps (espírito de corpo) pode ser vista nas imagens dos militares oriundos das pequenas cidades do interior, que costumavam reunir-se para fotografias, de forma idêntica aos pracinhas da modesta Conselheiro Lafaiete – MG, de apenas 12.467 habitantes, conforme o Censo de 1940.


Durante o embarque do 1º Escalão da Força Expedicionária, ao final de junho de 1944, houve um incidente que materializa o teor dessa postagem — e que fizemos questão de incluir no livro Guerreiros da Província: a jornada épica da Força Expedicionária Brasileira (adaptado das memórias do marechal Lima Brayner, testemunha ocular do episódio).


“Outro incidente causou sensação durante a atividade: uma patrulha de fuzileiros navais flagrou o soldado Octacílio Pereira dentro de uma manilha, num pátio vizinho ao cais do porto do Rio de Janeiro.

Trouxeram-no à presença das autoridades, e Mascarenhas não teve meias-palavras ao censurá-lo:
“Você faz questão de ser o primeiro desertor, antes mesmo de chegar ao teatro de operações!”.

Segundo o coronel Lima Brayner, chefe do Estado-Maior da FEB, “O homem ouviu a torrente de insultos de cabeça baixa, sem esboçar a mínima reação”. Encaminhou-se o pracinha ao tenente-coronel Motta, responsável pela fiscalização do embarque, após severa repreensão do Comandante da FEB.
Curiosamente, o pequeno aventureiro tinha a fisionomia radiante ao embarcar sob guarda, como um vitorioso.

Algum tempo mais tarde, a escolta de bordo o trouxe de novo à presença das autoridades, dado que o pretenso desertor não pertencia ao 1º Escalão. Sua atitude fora motivada não pela covardia, mas pela palavra empenhada na modesta cidade de Ubá.
Perante os respectivos pais, Octacílio e o conterrâneo Fernando Ferreira juraram zelar um pelo outro, por isso, aquele viera ao porto com o intuito de embarcar como clandestino — visto que sua unidade (um grupo de artilharia) iria em outro escalão. Os chefes militares ali reunidos ouviram-no contar com desembaraço a proeza frustrada e, mais do que isso, fizeram apelo em tom dramático para que o deixassem seguir com o companheiro da cidadezinha mineira.

Mascarenhas de Moraes “só faltou pedir-lhe desculpas, censurando-o, todavia, por ter permanecido silencioso quando verdadeiramente insultado e ofendido nos seus brios. […] Diante da absoluta falta de intenção criminosa e da excessiva ingenuidade, o general resolveu perdoá-lo, tomando-o a seu serviço, com a promessa de enviá-lo o mais rapidamente possível ao front”.
Dali a quinze dias, o mineirinho Octacílio ganharia vaga na aeronave que levou uma fração do Serviço de Saúde para o teatro de operações.
Octacílio Pereira foi o primeiro “desertor ao contrário” — dos muitos — da FEB.
____________
Siga o nosso perfil no Instagram:
Fonte: Guerreiros da Província: a jornada épica da Força Expedicionária Brasileira. Juiz de Fora, Insigth Books, 2024, p. 234.



Deixe um comentário