
Fico imaginando como seria a biografia dos grandes homens fosse ela escrita por suas sogras, ao invés dos historiadores. Boa parte das figuras célebres seriam reduzidas a personagens vulgares. Grandes conquistadores seriam lembrados por detalhes mesquinhos da personalidade. O impetuoso seria visto como afoito. O corajoso como louco. O cauteloso como covarde. As glórias da juventude substituídas pelos males da velhice decadente.
De um modo geral, a imprensa brasileira trata da memória da Força Expedicionária Brasileira (FEB) tal qual uma sogra rancorosa – e das piores. Ao invés de destacar o legado dos pracinhas, ela explora deficiências pontuais para descrever, de forma negativa, a trajetória dos brasileiros que lutaram na II Guerra Mundial: a parte em lugar do todo.
A nota falecimento do veterano da FEB Vicente Gratagliano (Fig. 1), publicada na Folha de São Paulo, em 2007 (Fig.2), é um exemplo típico desse tratamento. A matéria ignora as condecorações por bravura em combate recebidas pelo pracinha, sequer mencionando a Cruz de Combate de 1ª Classe brasileira e a Silver Star americana. Pelo contrário, o autor da matéria o retrata, quando jovem, na figura de um garoto inculto, tolo e de estômago fraco. Pior ainda, nos últimos dias de sua vida ele é descrito como um velhote gagá, que perturbava os médicos com suas histórias de guerra, enquanto delirava na UTI.

A luta de Gratagliano contra o nazismo, em prol da democracia e a liberdade foi “esquecida”. Segundo a nota, era apenas um desocupado que fazia “casinhas de papelão” para as crianças do bairro. O jornalista prefere relembrar um episódio amoroso que até hoje “azeda a memória da família” do que falar sobre a coragem do pracinha – e a de tantos outros soldados brasileiros – que pôs fim a 15 anos de ditadura varguista, colocando o Brasil, de fato, no século XX.

Esse triste exemplo infelizmente não é o único, nem mesmo é uma exceção à regra. Outros tantos episódios na televisão, revistas e no meio acadêmico seguem a mesma linha. Até livros sobre a FEB, escritos por historiadores renomados, têm sido vítimas do mau jornalismo.
O excelente “Barbudos, Sujos e Fatigados”, do historiador César Campiani Maximiano, recebeu uma resenha da Folha de São Paulo na contramão da opinião do próprio historiador.

O autor da resenha pinçou os pontos negativos que lhe interessavam para forjar a sua visão pessoal do conflito, procurando denegrir a memória do comando militar brasileiro.
Mas porque isso acontece na imprensa? A resposta não é simples, pois os adeptos da “versão da sogra” possuem motivações e origens diversas. Vão desde estagiários fazendo o trabalho dos seus chefes a jornalistas experientes, em busca da fama por meio da polêmica e do sensacionalismo irresponsável.
Numa outra vertente, a interpretação errônea do papel da FEB também ocorre por pura falta de conhecimento, agravada pelo imediatismo e a superficialidade comuns na cobertura jornalística. Em especial, quando a opinião dos especialistas é ignorada. Em 1998, o Jornal do Brasil fez uma matéria sobre a FEB entrevistando apenas veteranos — a maioria dos quais estiveram longe do “front” — que lhes passaram a visão do soldado de retaguarda, comum a qualquer exército. A capa da edição recebeu um título sugestivo: “Guerra, Vinho e Mulheres”, especulando que os brasileiros foram à Itália para beber e namorar.

Não deve sequer ter passado pela mente do jornalista da Folha chamar Gratagliano de herói, mesmo tendo o veterano pertencido a um seletíssimo grupo de combatentes Aliados possuidores da medalha Silver Star. Para muitos, herói é um título reservado aos que empunharam uma bandeira vermelha, estendido aos que acumularam riqueza ou fama, sejam os endinheirados jogadores de futebol ou integrantes do zoológico humano do “Big Brother”. Para eles, Gratagliano não passou de “carne-de-canhão” à serviço do “Imperialismo Ianque”.

Por mais que o jornalista o pinte com tintas vulgares e ordinárias, Gratagliano não foi uma pessoa comum. No front italiano, enquanto dezenas de companheiros fugiam aterrorizados ante um contra-ataque nazista, o pracinha e outros dois militares retomaram as posições perdidas, expulsando os atacantes.
Mais do que desrespeitosa – quase infame – a nota de falecimento do pracinha consegue incluir a quase totalidade dos vícios aqui expostos. Mas de todas as suas omissões, uma é imperdoável. O autor da nota esqueceu de dizer que graças à coragem de soldados como Gratagliano, há 66 anos, hoje lhe é possível escrever (mal) tais matérias com plena liberdade.
Muito embora a “versão da sogra” tente minimizar seus feitos, Vicente Gratagliano pertence à História Brasileira como um legítimo HERÓI.
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