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Como em tantas cidades da Zona da Mata Mineira, os expedicionários de Juiz de Fora foram recebidos com entusiasmo pela população, ao retornarem dos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial. Apesar da ausência de registros oficiais detalhados quanto à origem dos pracinhas, estima-se que cerca de mil jovens de Juiz de Fora e região tenham integrado as fileiras da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

A maioria pertencia às camadas populares. Conforme pesquisa de Alcemar Ferreira Junior, no AHEx, entre os 380 soldados do 1º Batalhão de Trabalhadores da FEB, vindos de Minas Gerais, havia 139 lavradores, 62 operários, 24 caixeiros, 19 motoristas, além de barbeiros, boiadeiros, garçons, padeiros, sapateiros, entre outros.1

Expedicionários do 11º RI: quase todos oriundos das camadas humildes da população. Ao centro da foto, o sorridente juiz-forano Antonio de Padua Inhan.

No dia 20 de abril de 1947, os veteranos fundaram a Associação dos Ex-Combatentes de Juiz de Fora (AECB-JF), sob a liderança do professor Joaquim Viana Júnior. A sede foi erguida pelos próprios ex-combatentes, com recursos de doações de colaboradores, e utilizando seus horários de folga para o serviço. Tratou-se de uma genuína iniciativa de reintegração social e valorização da memória daqueles que haviam arriscado suas vidas pela liberdade e a democracia.

O Monumento ao Expedicionário, inaugurado em 24 de maio de 1950, durante os festejos do centenário da cidade, foi erguido na Praça do Largo do Riachuelo, um dos pontos mais nobres de Juiz de Fora. Financiado por meio de contribuições da comunidade local, o monumento possui, na sua parte frontal, em bronze, o símbolo das armas nacionais, uma coroa de flores e uma placa com a inscrição:


Aos heróis da F.E.B.

Homenagem do povo de Juiz de Fora

O valor da obra foi reconhecido legalmente por meio do Decreto Municipal nº 6.941/2000, que oficializou seu tombamento como patrimônio histórico da cidade. O decreto justifica o tombamento por seu valor simbólico, histórico e cultural, como testemunho de um capítulo essencial da história nacional.

Contudo, o monumento original homenageava apenas os combatentes do Exército. Por isso, nos anos 1970, para também lembrar os militares da Marinha e da Aeronáutica que participaram das ações de combate, foi construída outra homenagem: o Monumento das Armas, inaugurado em 1977 na Avenida Rio Branco. O terreno foi doado pelo Estado de Minas Gerais ao Município de Juiz de Fora, mediante escritura pública com cláusula de reversão patrimonial em caso de desvio da finalidade:

“O imóvel ora doado destina-se à construção de uma praça pública, com monumento dedicado aos ex-combatentes, heróis da Pátria.”

Desde então, a Praça do Largo do Riachuelo tornou-se o principal ponto de memória febiana na cidade, sede de celebrações cívicas como o Dia da Vitória e o aniversário da conquista do Monte Castello.

Entretanto, justamente no 80º aniversário da Campanha da FEB, essa memória foi brutalmente atacada. Em novembro de 2023, a Prefeitura de Juiz de Fora iniciou a chamada “revitalização dos monumentos” da Praça. Embora tenha anunciado que ouviria a comunidade, a Associação dos Veteranos da FEB de Juiz de Fora (AVFEB-JF) jamais foi consultada ao longo da intervenção, que durou até 1º de maio de 2025.

A reabertura da praça foi anunciada com alarde pela prefeita Margarida Salomão (PT), mas com mudanças chocantes:

  • A tradicional “Praça do Riachuelo” foi rebatizada como “Praça Clodesmidt Riani” (um sindicalista local), em flagrante desrespeito à Lei Municipal nº 12.871/2013, que proíbe a alteração de nome de logradouros públicos, salvo em casos excepcionais. Nenhuma das exceções legais se aplica ao caso.
  • Todas as placas de bronze históricas dos monumentos desapareceram sem qualquer explicação plausível.
  • O Monumento das Armas foi descaracterizado: a escadaria foi destruída a marretadas e parte da estrutura foi mutilada.
  • Em lugar das placas originais de material nobre, uma esdrúxula estrutura de acrílico barata foi afixada no Monumento ao Expedicionário.

De forma quase inacreditável, em torno do Monumento das Armas foram instalados tapumes com publicidade que remete ao café, anunciando:

“Em breve, saboreie aqui parte dessa história.”

Cúmulo do absurdo, o monumento aos heróis da FEB foi descaraterizado e quase destruído para se tornar uma cafeteria?!

O desaparecimento das placas configura crime contra o patrimônio público, conforme o art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal:“Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: § único – Se o crime é cometido contra o patrimônio da União, Estado, Município ou empresa concessionária de serviços públicos.”

A responsabilidade da Prefeitura é objetiva, conforme o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, pois os fatos ocorreram durante a obra pública sob sua gestão direta.

Em reunião dos representantes da AVFEB-JF com o Executivo, realizada com intermediação da vereadora Roberta Lopes (PL), o assunto foi tratado com descaso: “fato consumado”. Nenhum pedido de desculpas foi apresentado pelo “sumiço” das placas, e a culpa acabou atribuída genericamente a “usuários de drogas” — argumento inadmissível diante da responsabilidade legal da administração. Todas as propostas amigáveis de conciliação, apresentadas pela vereadora Roberta Lopes, foram refutadas com veemência pelos representantes do Executivo. A PMJF está de ouvidos moucos às demandas da Associação.

Ao longo de 75 anos de existência da memória física febiana no logradouro, jamais houve registro de qualquer tipo de vandalismo que tenha subtraído peças do acervo local. Por isso, ao que tudo indica, ao invés de uma “reforma” na Praça do Riachuelo, conforme anunciado ao público, houve um verdadeiro arrastão político e ideológico contra o patrimônio histórico do município. Uma indesculpável repaginação orwelliana do passado.

Diante da omissão e da degradação do patrimônio histórico tombado, a AVFEB-JF protocolou ofício com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e na Constituição Federal (art. 5º, XXXIII). O prazo legal de 20 dias para resposta teve início em 10 de julho de 2025.

A vereadora Roberta Lopes propôs que os representantes da AVFEB-JF fossem convidados a discursar na Tribuna Livre da Câmara Municipal, proposta acatada de forma gentil e imediata pelo vereador Zé Márcio – Garotinho, presidente da Casa Legislativa. Os representantes da associação apresentarão o caso aos vereadores, juntamente com a entrega das suas reivindicações resumidas neste abaixo-assinado (link)

Caso não haja resposta adequada por parte do Executivo, a AVFEB-JF estuda acionar o Ministério Público Estadual, com base no art. 129, III, da Constituição Federal, que confere ao MP a defesa do patrimônio público e cultural. Também será invocada a atuação da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais.

Estas são as demandas da AVFEB-JF:

  1. Restabelecimento imediato do nome original “Praça do Largo do Riachuelo”, em respeito à toponímia histórica e à Lei nº 12.871/2013.
  2. Restauração integral do Monumento das Armas, conforme o projeto original, e com o retorno das placas de bronze originais.
  3. Reconstituição integral do Monumento ao Expedicionário, com o retorno das placas de bronze originais.

Caso a administração municipal decida permanecer inerte, será requerido ao governador Romeu Zema o cumprimento da cláusula de reversão prevista na escritura, a fim de reverter o imóvel de 2.175 m2, situado em área nobre da cidade, ao Estado de Minas Gerais — em defesa da legalidade e do respeito aos nossos heróis.

A Justiça prevalecerá, pois o mal a si consome.

A destruição do patrimônio febiano de Juiz de Fora configura não apenas um atentado à história do município, mas uma repaginação ideológica e partidária da memória nacional, ao arrepio da legislação.

Repetiu-se o lamentável roteiro descrito pelo veterano Joaquim Xavier da Silveira: “A FEB foi a única tropa que teve de lutar dentro do próprio território para existir, antes de combater o inimigo no exterior.” Nos anos 1940, a FEB teve de vencer a resistência dos partidários do totalitarismo no Brasil para existir. Hoje, a memória da Força Expedicionária continua a lutar para sobreviver em solo brasileiro, agora diante do ataque de uma das cabeças da hidra totalitária — a que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial.

O Dia da Vitória

Convocamos os amigos e admiradores da trajetória febiana a apoiarem nossa causa, participando do abaixo-assinado neste LINK. E também a lotarem o plenário da Câmara Municipal de Juiz de Fora, no Palácio Barbosa Lima (Parque Halfeld), no dia 21 de agosto, em horário a ser definido.

A memória não se apaga. A história não se vende.

Salvem a Praça do Riachuelo!

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  1. FERREIRA JUNIOR, Alcemar. Uma visceral rebeldia: clientelismo e isenções no recrutamento da Força Expedicionária Brasileira (1943-1944). Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2006.

2 respostas para “Salvem a Praça do Riachuelo!”.

  1. Avatar de Afranio
    Afranio

    Salvem a Praça do Riachuelo

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  2. Avatar de Sérgio Machado

    Ofereço meu tempo e conhecimento como advogado em prol da memória de nossos heróis pracinhas. Conte comigo! Vamos nos unir para que nossa história não seja apagada. “A cobra vai fumar”

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