Foi realizado em novembro passado, na cidade do Rio de Janeiro, o XXVI Encontro Nacional dos Veteranos da FEB. O evento contou com a participação de pouco mais de 20 veteranos da Força Expedicionária Brasileira, oriundos de diversas cidades do Brasil.

O ponto alto da programação foi a visita ao Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial (MNMSGM). Após o término de uma cerimônia religiosa, alguns veteranos percorreram a cripta do monumento, onde estão as lápides gravadas com os nomes dos pracinhas mortos durante a Campanha da Itália. Sob elas, repousam os restos mortais de 462 brasileiros, guardados em pequenas caixas de zinco.
Avisado previamente que José Marino — um veterano de Araraquara — desejava conhecer a lápide de um antigo companheiro, posicionei melhor a câmera para registrar a cena. Era a primeira vez que o pracinha visitava o monumento. Dentre suas lembranças de guerra, os combates tenebrosos no entorno da cidade italiana de Montese, em abril de 1945, ocupam lugar de destaque. Nessa oportunidade, a sua companhia — a 9ª Cia do III Batalhão do 6º Regimento de Infantaria — entrara em posição em Paravento, substituindo as extenuadas tropas do “Lapa Azul”.

Marino integrava a guarnição de uma peça de morteiros de 60 mm, chefiada pelo cabo Norberto Henrique Weber — um gaúcho de Santa Rosa. Durante o combate, agachado numa valeta, o soldado paulista suportava o pesado bombardeio alemão, testemunhando o maior ataque de artilharia feito do Eixo em todo o front italiano, desde o lançado contra a cabeça-de-ponte Aliada em Anzio, em janeiro de 1944.
Em determinado instante, Marino abandona a valeta e nela se abriga o cabo Weber. Foi a última ação do militar. Logo em seguida, uma granada cai dentro da vala, estraçalhando o cabo. Quando Marino recebe ordem para assumir o comando da peça de morteiro, ele usa um pedaço de estopa para limpar o sangue que cobrira a arma, antes de entregá-la a um soldado atirador. Mais tarde, recolhe os pedaços do companheiro e os coloca na beira da estrada. Embora terrível, não foi esta a visão que mais lhe impactou:
Não me impressionou tanto ver o meu companheiro morto como eu ver o capacete dele cheio de sangue virado pro ar. Eu quase não me contive. Foi em Montese também. Perdemos muitos, muitos. Foi uma mortalidade fora de série. Eu passei por muitos companheiros mortos. Inclusive o cabo Weber, que depois eu fui pegar o revólver .45 que tava na cintura do atirador, que eu cortei a cinta, a barriga abriu e… né, não me impressionou tanto como lá, quase no finzinho do morro lá em cima o capacete. O sujeito tava morto assim do lado e com uma bala na cabeça e no capacete o sangue empoçou.[1]
Quase sete décadas depois, ao encontrar o jazigo do amigo, Marino não se contém. O velho soldado põe-se de joelhos e beija a lápide, fazendo uma breve oração em seguida. Quem viveu os horrores da guerra não esquece a amizade forjada nos campos de batalha, jamais.
[1] MAXIMIANO, César Campiani. Barbudos, Sujos e Fatigados, São Paulo: Grua, 2010, p.274.
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