História da Força Expedicionária

O Jeca vai à Guerra

O Jeca Tatu foi um tipo comum entre os convocados para a Força Expedicionária Brasileira.
Mazzaropi imortalizou o personagem caipira no cinema (filme Jéca Tatú, de 1960).

O cidadão contemporâneo geralmente não faz ideia das dificuldades que envolveram a formação da Força Expedicionária Brasileira. Além dos empecilhos de ordem política, militar e econômica, inerentes a uma nação pobre como o Brasil dos anos 1940, imersa na ditadura do Estado Novo, havia outras questões de ordem psicossocial.

O País se envolvera em um conflito externo pela última vez na Campanha da Tríplice Aliança, no longínquo século XIX. Agora o Exército nacional enfrentaria não o modesto Paraguai, mas a poderosa e experiente máquina de guerra alemã. O medo de um fracasso vergonhoso era palpável.

Naquela época, as teorias racialistas faziam enorme sucesso na Europa e nas Américas. Acreditava-se que certas raças tinham habilidades superiores: um mito abraçado pelo nazismo que também encontrava eco no Brasil. Os teóricos enxergavam a miscigenação racial como um “crime” contra a pureza racial, que enfraqueceria o poder combativo do soldado. O contingente febiano, herdeiro da miscigenação racial característica do Exército Brasileiro, estava na contramão dos preceitos dessa teoria. Tal concepção estrangeira inspirou a criação de um estigma nacional que os pracinhas teriam de superar: o estereótipo do Jeca Tatu.

O jornalista Euclydes da Cunha, em sua magnífica obra Os Sertões (1902), criou a imagem do sertanejo bravo e resiliente, baseada em sua experiência como correspondente de guerra durante a Campanha de Canudos. No outro extremo, Monteiro Lobato retratou em Urupês (1914) o caboclo brasileiro de forma depreciativa: um “fazedor de desertos”. Essa visão fora baseada em seus problemas pessoais com os empregados da fazenda Buquira, no Vale do Paraíba (SP), que o autor herdou do avô em 1911. Após desentendimentos com os roceiros, criou o personagem Jeca Tatu, definido a partir da sua natureza racial e genética: um caipira alcoólatra, pobre, doente, ignorante, papudo, feio, molenga e inerte, que morava numa casinha de sapê embrenhada no mato.

O racialismo influenciou a criação do personagem Jeca Tatu
Poster promotor da eugenia no regime nazista.
Jeca Tatu
Ilustração do Jeca Tatu no livro Jéca Tatuzinho (1924).
Torpa do 11º RI
Os integrantes do regimento mineiro possuíam majoritária origem rural.
Endereços de integrantes do 11º RI
Com base em fontes primárias do AHEx, pudemos estimar, com razoável precisão, o percentual de convocados para a FEB das zonas rurais e urbanas.

Os pracinhas da FEB, em sua maioria, vinham de pequenas localidades como Belmiro Braga, Guaxupé, Rio Novo, São João Nepomuceno e Santa Rita do Passa Quatro. Cresceram em fazendas e povoados com menos de cinco mil habitantes. A intelectualidade nas grandes cidades os estigmatizou com o estereótipo do caboclo criado por Lobato. Poucos acreditavam no sucesso desses sertanejos contra as temíveis hostes nazistas.

Nosso futuro livro, editado em comemoração aos 80 anos da Campanha da FEB, traz o testemunho de dezenas de expedicionários interioranos – gente humilde e costumeiramente desprezada por seus ricos e sofisticados conterrâneos do litoral e metrópoles. A obra reconstitui a verdadeira epopeia que transformou simples camponeses em soldados de plena capacidade combativa, elogiados até por membros de unidades de elite germânicas.

Mais do que uma narrativa original da jornada febiana, o livro oferece ao leitor um mergulho na alma da brava gente brasileira.


Inscreva-se no nosso blog para receber as atualizações e novidades. Não perca a chance de conhecer essa incrível história!

Avaliação: 5 de 5.

1 resposta »

  1. Já mostra a realidade das guerras modernas, quantos filhos de abastados iam para a frente de combate? Quantos estavam nos veículos anfíbios no dia D desembarcando para uma morte certa? Diferente da tal “idade das trevas” onde os reis lideravam pessoalmente os soldados no campo de batalha.

    Curtido por 1 pessoa

Deixe um comentário