História da FEB

Um Artilheiro no “Navalha”

Os livros estão se tornando objetos cada vez mais raros e excêntricos. Mesmo nas universidades tornou-se comum a disseminação de apostilas, resumos e “pdfs” digitais, em substituição aos compêndios físicos. Em tempos de pandemia, youtubers chegam ao cúmulo de gravarem vídeos tendo ao fundo uma grande tela de TV que exibe a imagem de uma biblioteca…

Com o advento da internet, alguns especialistas chegaram a anunciar o fim dos livros em profecias felizmente não consumadas. Pelo contrário, a verdadeira ameaça não reside na chegada das ferramentas tecnológicas, mas na progressiva desvalorização da alta cultura, da pesquisa de qualidade, e do estudo da literatura de grandes autores — espécie de decadência intelectual, endêmica e institucionalizada, que Flávio Gordon abordou em seu livro A Corrupção da Inteligência.

A história da FEB não escapou desse turbilhão cultural nocivo. Hoje são poucos os autores capazes de trazer ao público a trajetória dos pracinhas por meio de análises de fundamentos sólidos, investigação original e aprofundada, com escrita agradável e fluente — um reflexo do nosso tempo. Salvo raras exceções, a forma mais segura de se adquirir conhecimento sobre o tema está na consulta ao depoimento dos seus protagonistas, como no livro Meu Diário da Guerra na Itália, do capitão Newton C. de Andrade Mello, um artilheiro que atuou como Oficial de Ligação junto ao 6º RI, em particular o seu III Batalhão: o “Navalha”.

O diário do capitão Newton de Andrade é rico na forma e no conteúdo.

Escrita em 1946 e publicada no ano seguinte, a obra ainda pode ser encontrada em leilões e sebos virtuais, a preço de ouro. Os estudiosos devem ficar atentos, pois os exemplares disponíveis estão cada vez mais raros. Hoje (6/11) restam apenas dois à venda no website da Estante Virtual.

O material do volume é o retrato do Brasil dos anos 1940, quando até as bobinas para a impressão de jornais vinham do exterior. Editado em papel contendo fibra de lignina (componente da pasta formadora do papel produzido de madeira, quando esta não é purificada), essa fibra conferiu acidez ao papel, tornando-o duro, amarelado e quebradiço com o passar dos anos, obrigando o leitor do presente a manusear suas folhas com extremo cuidado. Em contrapartida, como era comum nesse tempo, o livro vem acompanhado por grandes mapas dobrados, visando situar o leitor no espaço. Eis um verdadeiro tesouro da bibliografia da FEB.

Um dos mapas contidos no diário do “artilheiro do Navalha”.

Inversamente proporcional à qualidade do papel é o valor histórico e literário do volume, caprichosamente redigido por um profissional das Armas em suas horas de descanso, durante o intervalo das batalhas. Apesar das circunstâncias, o estilo do “artilheiro do Navalha” revela o elevado padrão cultural e educacional do autor, fruto de um tempo em que a alta cultura nacional ainda não havia sido afetada pela corrupção da inteligência.

O capitão Newton foi destacado não como mero oficial ligado ao PC do 6º RI, mas no papel de observador avançado, “trabalhando na frente para observar os tiros do seu Grupo, está ele sujeito aos mesmos sacrifícios e perigos do infante e, como ele, expondo a todo instante a sua vida às balas inimigas”, conforme atestou o coronel João de Segadas Viana, comandante do 6º RI.

As entradas do seu diário — espécie de Instagram literário — ilustram com admirável talento, fidelidade, modéstia e escrúpulos, aspectos do cotidiano do soldado brasileiro na guerra. Mais do que isso, o prefácio de Segadas Viana expressa o nobre ideário dos nossos expedicionários: “a defesa da soberania violada pelo torpedeamento dos nossos navios, e o ideal de restabelecer a liberdade do homem, não só dos povos conquistados, como em nosso próprio país, onde desde 1937 estabelecera-se um regime de características totalitárias”.

Lutando lado a lado com as forças norte-americanas e inglesas e tendo por inimigo o mais temido exército do mundo — o alemão —, levado a uma luta inglória, visando o domínio da Terra e a implantação de doutrinas políticas que tinham por base tirar do homem a liberdade de exprimir o pensamento, diminuindo perante a si mesmo e perante Deus, a cuja imagem e semelhança é ele feito […]. Bem sabíamos que restabelecida a democracia em toda a face da Terra, não poderia o Brasil permanecer como única exceção, conservando um regime de escravização do homem ao poder do Estado.

O prefácio de Segadas Viana exalta os nobres ideais que inspiraram nossos pracinhas.

Segadas Viana e Newton de Andrade provavelmente não acreditariam se lhes dissessem que a pregação ideológica de doutrinas totalitárias — contra as quais tantos brasileiros verteram sangue na Itália — se tornaria comum no seio das universidades nacionais. Ficariam boquiabertos ao saberem da Cristofobia, da censura ao livre pensamento promovida pelo Judiciário, mídias sociais e grande imprensa, usando como desculpa infame a “defesa da democracia”. Nem mesmo a ditadura do Estado Novo atreveu-se a lançar mão de tamanho cinismo.

Na improvável hipótese de acreditarem nesse futuro sombrio desenhado para o Brasil, ambos talvez inquirissem o autor das revelações:

— Foi para isso que arriscamos nossas vidas na guerra? Onde estão os homens desse tempo?

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Avaliação: 1 de 5.

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