Heróis da Retaguarda é uma canção famosa da FEB, presente no LP Expedicionários em Ritmos. Sua letra descreve, em tom jocoso, os militares que não estavam no front, em contato direto com o inimigo, mas gozando do relativo conforto na retaguarda, exibindo seus uniformes recortados, com o distintivo da FEB bordado na manga:
Você que é combatente, mas não conhece a Linha de Frente.
Só anda bonito e usando o distintivo da cobra fumando.
Andar bonito, com roupa recortada
É lá pros heróis da retaguarda
Essa canção requer a atenção especial do estudioso da FEB, em particular com relação ao fardamento distribuído para a tropa expedicionária. O major Aguinaldo José Senna Campos chefiou a 4ª Seção do Estado-Maior da FEB , publicando em 1970 o livro Com a FEB na Itália: uma detalhada e franca apreciação sobre a logística na 1ª DIE, que merece ser inclusa na bibliografia de referência do tema, no currículo das escolas de altos estudos militares da Força Terrestre.
Senna Campos descreveu a precariedade da estrutura logística da organização brasileira, que motivou a canção zombeteira composta pelos pracinhas. Relatou, por exemplo, a má-qualidade de várias peças dos uniformes, cujo tecido encolhia em demasia:
Houve peças de uniformes cujo uso foi proibido pelo seu aspecto antiestético. A aparência bizarra da tropa, com seus uniformes curtos e mal ajustados, por efeito das primeiras lavagens, bem assim da confecção, determinaram providências do Comando para contornar a situação.[1]
De fato, um comparativo da estética dos trajes e equipamentos brasileiros com o utilizado pelos norte-americanos evidencia os problemas encontrados pela tropa nacional, tanto com relação aos uniformes quanto aos calçados e capacetes. O título Barbudos, Sujos e Fatigados, de um conhecido livro sobre a FEB, oferece ao leitor a descrição fidedigna da aparência do combatente brasileiro na linha de frente.
Nas fotos históricas da campanha, raramente se observa um pracinha utilizando o capacete durante os momentos de descontração. Além da questão disciplinar, pode-se atribuir tal comportamento à falta do ajuste correto do material. Quem já utilizou um capacete de aço durante a passagem pelo Serviço Militar, bem sabe o tremendo desconforto causado pelo desajuste dos cordames do capacete de fibra, usado no interior do par de aço, fazendo com que o conjunto fique “sambando” no topo da cabeça do combatente. Há necessidade de que o capacete esteja devidamente ajustado ao tamanho e formato do crânio do soldado, oferecendo-lhe tanto proteção quanto conforto contra o frio, vento, chuva e sol. Contudo, os militares brasileiros não costumavam utilizar o capacete de combate de aço durante os exercícios e desfiles, preferindo os de cortiça e couro — e até chapéus de tecido rústico.
Pior, alguns soldados dos derradeiros escalões da FEB sequer aprenderam a usar corretamente os uniformes. Um relatório secreto do Destacamento de Ligação dos EUA trouxe o testemunho do coronel Júlio Prestes, Oficial de Ligação brasileiro em Nápoles: “Em alguns casos receberam os uniformes apenas algumas horas antes do embarque”.

A Logística dos EUA oferecia serviços de higiene especializados: o soldado americano entrava de um lado nas unidades de banho (grupos de barracas interligadas), deixando ali toda a roupa usada, e saía de lá de banho tomado, vestindo-se com outras peças inteiramente limpas e desinfetadas. Foi instalada em Pistoia uma lavanderia dos EUA para atender às necessidades da 1ª DIE, com capacidade para processar um caminhão de roupas por dia, mas o Serviço de Intendência americano não tinha como oferecer peças novas do vestuário padrão da FEB. Era preciso que as peças estivessem devidamente identificadas — o que não era um hábito nacional. Além disso, era interesse do homem brasileiro receber a própria roupa, já previamente customizada de acordo com o seu tipo físico, minimizando o recorte grosseiro produzido pela indústria nacional. Resultado: houve reação ao sistema, pois a roupa vinha misturada, com atraso e mal passada.[2]
Nossa tropa preferiu utilizar o velho sistema de lavadeiras — isso para quem tinha essa oportunidade. Os homens da linha de frente, em grande parte, ficaram meses sem tomar um único banho, abrigando consigo colônias de insetos instaladas entre as sucessivas camadas de roupas de proteção contra o frio.
Nossas instituições militares não devem subestimar a experiência vivenciada pelos antepassados expedicionários, evitando-se a repetição de erros e vícios pregressos. Sobretudo, o observador atento deve avaliar com cuidado as imagens das tropas da FEB. Quanto pior estiver estiver trajado o pracinha, mais tempo ele, provavelmente, esteve atuando no front. Afinal, como diz o refrão da música: “Andar bonito, com roupa recortada, é lá pros heróis da retaguarda“.
[1] General Senna Campos, Com a FEB na Itália. Rio de Janeiro, 1970, Imprensa do Exército, p.121.
[2] Idem, p.129.
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É FÁCIL AGORA, DENTRO DO CONFORTO DO LAR, OU DOS CENTROS ACADÊMICOS, E SEM O DEVIDO CONHECIMENTO DA CUTURA DE ÉPOCA, PRODUZINDO FONTES HISTÓRICAS/HISTORIOGRÁFICAS TERCIARIAS, FALAR SOBRE HÁBITOS E PARTICULARIDADES DOS FEBIANOS DE FORMA JOCOSA E DETURPADA, POIS A INTERPRETAÇÃO DE UMA IMAGEM SEM O EVIDO CONTEXTO NADA MAIS É DO QUE ESPECULAÇAO PERSONALISTA, UMA ELOCUBRAÇÃO INSANA E DISTANTE DA VERDADE. NOSSOS HÉROIS FEBIANOS MERECEM SER HUMANIZADOS!
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