Em meados de 1942, a situação política interna do Brasil era como um barril de pólvora prestes a explodir. Getúlio Vargas, líder do Estado Novo, sofrera um sério acidente automobilístico em 1º de maio: “Recebeu uma contusão sem gravidade”, publicou o jornal A Noite. Embora a imprensa tenha procurado atenuar a gravidade dos ferimentos em seu noticiário, o ditador fora imobilizado numa cama, com fraturas variadas e sem ao menos poder falar. Ficaria meses estirado no leito, politicamente liquidado. A Inteligência dos EUA enviou a Washington a avaliação de que o caudilho “não era mais um interlocutor útil com quem se poderia negociar”, e que “a única coisa que conta hoje é o Exército, cuja grande maioria possui simpatias democráticas”. J. Edgar Hoover, diretor do FBI, pensava diferente. Em 13 de junho, assinalou que “novas vitórias alemãs na linha de frente russa poderiam incentivar o Exército a derrubar Getúlio e estabelecer um governo militar”.

Os norte-americanos tateavam no escuro, alheios à real situação política e institucional no Brasil. Ante o impedimento de Vargas, Oswaldo Aranha assumira, na prática, a condução do governo, costurando um acordo militar Brasil-EUA no qual os estrangeiros finalmente conseguiriam obter uma série de benesses longamente esperadas, incluindo autorização para obras de construção e ampliação de benfeitorias em diversas pistas de pouso no Norte e no Nordeste do Brasil — em Parnamirim, em especial. Em troca, os estrangeiros assumiriam a responsabilidade pela defesa do Brasil contra possíveis agressões do Eixo.
O acordo militar secreto foi assinado ao final de maio, provavelmente a contragosto das Forças Armadas, ostensivamente defensoras da neutralidade do País no conflito. Em caso da indesejada entrada brasileira na guerra, a baixa capacidade bélica nacional colocaria a nossa navegação de cabotagem como presa fácil dos corsários inimigos. Seríamos meros e impotentes espectadores das batalhas a serem travadas pelas grandes potências, agora totalmente subordinados aos desejos e imposições norte-americanas. Em caso de vitória do Eixo — cada vez mais provável com a esperada derrota da URSS —, o Brasil perderia o valioso comércio com os países europeus. As perspectivas eram desanimadoras.
A relação entre os militares do Brasil e dos EUA continuava péssima, e os oficiais nacionais repudiavam a forma como os pares norte-americanos os tratavam. No ano anterior, durante uma audiência com Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra, o general Miller, Chefe da Missão Militar dos EUA no Brasil, ameaçou Dutra com o corte do suprimento de combustíveis caso não fosse autorizada a vinda de tropas norte-americanas para as bases militares no Nordeste. Miller teve a petulância de ameaçar, inclusive, com uma invasão militar. Dutra avisou que, nesse caso, daria ordem de abrir fogo contra os invasores.
A solução para desatar o nó entre os militares das duas nações parecia estar nos rumos da política internacional. Em 29 de maio, o Ministério da Aeronáutica, chefiado pelo civil Joaquim Pedro Salgado Filho — apadrinhado político de Vargas —, emitiu uma nota para a imprensa dando conta de ataques feitos pela aviação nacional contra submarinos do Eixo ao largo da costa brasileira, ocorridos vários dias antes. Entretanto, ao contrário do relato sensacionalista, nenhum submarino do Eixo foi avariado e muito menos afundado.
A notícia foi republicada pela imprensa norte-americana e reverberou imediatamente no Comando da Marinha Alemã. Estava quebrada a cautela e o sigilo com que o tema vinha sendo tratado. Na verdade, a “Aviação Brasileira” não estivera oficialmente envolvida no incidente, pois as aeronaves atacantes ainda permaneciam sob o controle operacional norte-americano, sendo entregues às mãos dos brasileiros apenas quando o treinamento das tripulações fosse concluído — isso quando os instrutores estrangeiros decidissem. A série de ataques dos B-25 não havia tido como alvo os submarinos alemães, mas os italianos Barbarigo e Archimede; todavia, a divulgação do ataque na imprensa internacional incomodou o comando da Marinha alemã. Era inadmissível que um país habitado por mestiços — como alguns diários de bordo da Kriegsmarine referiam-se aos brasileiros — tivesse essa ousadia.
O México estava na iminência da declaração de guerra ao Eixo ao final de maio (a decisão formal seria publicada em 2 de junho), e tudo indicava que o Brasil logo seguiria o exemplo. Em 30 de maio, o Comando de Guerra Naval da Marinha alemã (Skl) determinou que o comando de submarinos (B.d.U.) preparasse uma operação de ataque contra o Brasil.
A Kriegsmarine estava mal aos olhos do Führer pelo acúmulo de fracassos recentes. Excetuadas as operações submarinas, a Marinha alemã tinha pouco o que comemorar. As aventuras das suas famosas unidades de superfície no Oceano Atlântico haviam sido desastrosas. Em 1939, a incursão do encouraçado Admiral Graf Spee no Atlântico Sul terminou com a destruição da belonave na costa uruguaia. Em 1941, a patrulha de combate do célebre encouraçado Otto Von Bismarck no Atlântico Norte tivera o mesmo desfecho. Ambos foram implacavelmente caçados e destruídos pela Marinha Real britânica. Trabalhando sob pressão, o almirante Erich Johann Albert Raeder, comandante em chefe da Kriegsmarine, seria exonerado no final de 1942 após mais um fracasso nas águas do Oceano Ártico.
Para os dirigentes alemães, as baixas causadas pela poderosa Marinha Real britânica haviam sido uma contingência de guerra aceitável. Entretanto, ter os seus submarinos atacados por um país inexpressivo beirava a humilhação. Uma resposta à altura precisava ser dada pelo Reich — e o bode expiatório ideal era o Brasil. O Comando de Guerra Naval considerou que um ataque repentino contra os navios de guerra e mercantes brasileiros seria viável naquela conjuntura, pois as medidas de defesa do país ainda estavam incompletas. Além disso, graças ao pretexto dado por Salgado Filho, não haveria a necessidade de uma declaração prévia de guerra, pois o Brasil já estava lutando contra a Alemanha no mar.

Salgado Filho era um homem de atitudes imprudentes — inclusive a que provocaria a sua morte e dos pilotos e tripulantes que o acompanhavam no seu último e fatídico voo, em 1950. Tido como um fantoche político de Vargas pelos oficiais do Exército, o ministro gaúcho — com o aval ou a determinação de Oswaldo Aranha — forneceu o desculpa para que a Alemanha nazista desse início aos planos de um ataque devastador contra o Brasil. Uma operação de guerra com o potencial para afundar a maior parte dos navios de grande porte da nossa Armada, Marinha Mercante e de passageiros, que levariam consigo milhares de vítimas.
Esse era o objetivo da Operação Brasil, sobre a qual trataremos nos próximos dias. Inscreva-se no nosso Blog para receber as atualizações.
O texto deste post é um resumo no contido no livro Operação Brasil: o ataque alemão que mudou o curso da Segunda Guerra Mundial
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