Em 2011, após retornar de uma oficina de produção de roteiros para o cinema, no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma, tratei de finalizar o script de um longa-metragem sobre a Força Expedicionária Brasileira.
Todavia, senti a necessidade de reproduzir os diálogos dos pracinhas da FEB em combate com a maior fidelidade possível, evitando os artificialismos tão comuns na produção nacional. Após quase 30 anos no serviço ativo do Exército, conhecia bem as gírias e impropérios comuns à tropa. Contudo, passados 70 anos do final da guerra, obviamente, muita coisa havia mudado.
Procurei então o veterano José Maria da Silva Nicodemos, cabo apontador de uma peça de morteiro do “Lapa Azul” durante o conflito, e o questionei a respeito do linguajar utilizado pelos seus homens:
— Quais eram os palavrões utilizados pela soldadesca?
Ele então respondeu:
— Eram os mesmos usados hoje em dia, mas com uma ênfase muito, mas muito maior, destacou o “Zé Maria”.

Zé Maria (segundo da Esq. para a Dir.) e a sua peça de morteiro do “Lapa Azul” na Itália (ANVFEB-JF)
De fato, a linguagem polida e “politicamente correta” durante a guerra só tem lugar nos documentos oficiais e no trato entre os líderes civis. Isso quando muito.
Discursos inflamados, repletos de palavrões e de incentivo a ações reprováveis, estão presentes na biografia de boa parte dos grandes líderes militares durante a II GM.
Pouco antes da batalha de El Alamein, até mesmo o fleumático General Montgomery disse que os seus oficiais deveriam estar imbuídos do desejo de “matar alemães, até mesmo padres, um por dia da semana e dois aos domingos”[i]
Pelo lado norte-americano, quando George S. Patton discursou aos seus soldados pouco antes do embarque para a Operação Tocha, ele sabia que a quase totalidade daqueles homens jamais havia estado sob fogo inimigo ou matado um semelhante. Agora sua tropa estava prestes a enfrentar o mítico Afrika Korps de Rommel. Após ter desembarcado de um veículo do Exército com a sirene ligada, usando botas de cavalaria, bombachas, e carregando um chicote, Patton soltou a língua para encorajá-los:
— Nós vamos estuprar suas mulheres e saquear suas cidades e jogar os pulsilânimes filhos da puta no mar.
Dito isso, as enfermeiras da clínica dental do campo viraram as costas e foram embora.

George S. Patton – 70 anos depois da guerra, os discursos do oficial escandalizam uma nova geração doutrinada pela ideologia “politicamente correta”. (Wikipedia)
Aquele que possui um mínimo de conhecimento sobre a História Militar, reconhece de imediato que o discurso não passou de uma bravata. Exagerada, mas ainda uma bravata.
O lendário oficial prosseguiu:
— Não posso dizer-lhes para onde estamos indo, mas será aonde poderemos combater aqueles malditos alemães. Quando fizermos, por Deus, entraremos com tudo e mataremos os putos imundos. Nós não iremos apenas atirar nos filhos da puta. Nós vamos arrancar as tripas deles ainda vivos e usá-las para engraxar as lagartas dos nossos tanques. Nós vamos matar aqueles malditos sacanas hunos a granel.[2]
Entretanto, os diálogos cordiais e educados, presentes nos filmes de Hollywood sobre a II GM (até os anos 70), parecem ter moldado o imaginário de muitos pesquisadores, historiadores e curiosos — em particular destes últimos. Certa vez, quando reproduzi o discurso de Patton em um grupo de discussão do Facebook, um dos administradores, escandalizado, censurou o texto. Mesmo postando rotineiramente fotos de cadáveres mutilados, o sujeito alegou que o grupo era frequentado por senhoras e moças, e que o palavrão “filho da puta” precisava ser trocado por “FDP” — como se isso fizesse alguma diferença.
Evitei seguir o exemplo de Montgomery ou Patton, dando uma resposta à altura — o que iria melindrar ainda mais “as senhoras e moças”. Em vez disso, saí do grupo, sugerindo antes ao censor que em virtude da sensibilidade do público feminino (?) o tema do grupo fosse mudado da guerra para o tricô e crochê.
No final das contas, a reflexão sobre tais episódios serve para reforçar um ditado centenário repetido na caserna. Na paz ou na guerra, “não se cria falcões entre pombos”.
[1] BRIGHTON, Terry, Mestres da Batalha, a guerra de Monty, Patton e Rommel, Record, RJ, 2014, p. 153.
[2] Ibid. p. 162.
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